Em repetitivo, STJ reverte entendimento sobre cobrança de IPI
Por Bárbara Mengardo – Brasília
Alterando posicionamento tomado em junho de 2014, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que incide o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) na revenda de mercadorias importadas. A decisão obriga os importadores a recolherem o tributo ao trazerem produtos ao Brasil e revendê-los.
O caso foi julgado nesta terça-feira (14/10) sob o rito dos recursos repetitivos, o que significa que o entendimento deverá ser seguido pelos tribunais. O posicionamento é diametralmente oposto ao tomado pela 1ª Seção há pouco mais de um ano. À época, entretanto, a composição da turma era distinta da atual.
A decisão tem grande repercussão econômica. Falando pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) – que defendeu o ponto de vista da Fazenda Nacional e da indústria nacional -, o advogado Heleno Torres apresentou alguns números relacionados à causa.
De acordo com levantamento feito pela Fiesp, a não tributação pelo IPI levaria a uma perda anual de arrecadação de R$ 1 bilhão. Decisão favorável às importadoras levaria a uma “retração da indústria brasileira”, com perdas de R$ 19,8 bilhões e o possível corte imediato de 68 mil empregos.
Longo
O julgamento durou mais de quatro horas. Foram dez sustentações orais, feitas pelas partes e por sete amici curiae. O voto do relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, foi resumido em 40 minutos.
O ministro Mauro Campbell Marques foi o primeiro ministro da 1ª Seção a defender a incidência do IPI na revenda de importados. Salientou que diversas normas permitem a equiparação do importador ao industrial.
O artigo 46 do Código Tributário Nacional (CTN) prevê três hipóteses de incidência do IPI: o desembaraço aduaneiro, a saída do estabelecimento industrial ou equiparado, e a arrematação em leilão. Para Marques, de acordo com a norma, é possível a incidência do imposto tanto na importação quanto na revenda, já que se trata de dois fatos geradores distintos.
O magistrado reforçou ainda que o IPI incide sobre o preço da compra na importação e, posteriormente, sobre o preço da revenda, sendo possível ainda o creditamento. “[A empresa] acumula crédito, a ser pago na saída do produto, mantendo-se a tributação apenas sobre valor agregado”, disse.
Marques foi seguido pelos ministros Olindo Menezes, Sérgio Kukina, Assusete Magalhães e Herman Benjamin.
O posicionamento atende ao que defendia a Fiesp e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que sustentavam que a cobrança do IPI na revenda “equilibraria” a carga tributária de importadores e industriais brasileiros.
“Essa tributação [na revenda] foi feita para equalizar [o importador com o] industrial, que paga IPI na compra de insumos e depois da saída”, afirmou o procurador José Pericles, durante sustentação oral no STJ.
Bitributação
Na ponta oposta, o relator do caso, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, defendeu que essa cobrança de IPI caracterizaria bitributação. Para o ministro, a exigência do imposto na revenda tem “aparência de xenofobia”. “O importador ficará em franca desvantagem em relação ao comerciante de mercadoria nacional”, disse.
Para o relator, mesmo com a possibilidade de creditamento do IPI, os importadores arcam com uma carga tributária maior, já que teriam que recolher o IPI e o ICMS na saída da mercadoria. Os industriais, por sua vez, teriam que pagar apenas o ICMS, afirmou Maia Filho.
No entendimento do ministro, o IPI seria devido apenas nos casos em que a mercadoria importada sofre alteração, como uma mudança na embalagem. Caso contrário, para ele, estaria-se criando um “ICMS federal”, ou seja, um tributo federal que incide sobre a circulação de mercadorias.
Segundo o relator, a posição contrária à tributação já foi aplicada em mais de 500 decisões monocráticas (individuais), e foi alvo de mais de 70 julgamentos realizados pelas turmas do STJ. Reforçou ainda que não tem a intenção de quebrar a indústria nacional. “A proteção da indústria nacional é de competência dos governos, que se faça pela via da alteração dos impostos da importação”, disse.
Votaram da mesma forma os ministros Benedito Gonçalves e Regina Helena Costa.
O posicionamento segue o que defende a empresa envolvida no processo, a Athletic Indústria de Equipamentos de Fisioterapia. O advogado da companhia, José Antônio Valduga, sustentou que a revenda de importado não seria hipótese de incidência do IPI. O tributo, segundo ele, incidiria apenas em casos de “transformação ou aperfeiçoamento para consumo [da mercadoria]”, afirmou, durante a sustentação oral.
A advogada Bárbara Melo Carneiro, que representou a W Sul Logística em Duas Rodas (amicus curiae), argumentou que a tributação feriria o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt), o qual o Brasil é membro. O artigo 3º do acordo prevê que os países signatários não podem impor a produtos importados de outros países signatários impostos superiores aos praticados internamente.
Em seu voto, Maia Filho concordou que a cobrança do IPI na saída feriria o Gatt. “É uma maneira capciosa de se margear proibição contida em tratado internacional”, afirmou o ministro.
Precedentes
O assunto não é novo na 1ª Seção. Sobre o mesmo tema já foi julgado, em junho de 2014, um bloco de cinco ações. Em todas o STJ decidiu pela não incidência do IPI.
O resultado final ficou em cinco votos a três. Em seu voto, o relator designado para os casos, o ministro aposentado Ari Pargendler, afirmou que o IPI deve incidir apenas “sobre o montante que, na operação tributada, tenha resultado da industrialização, assim considerada qualquer operação que importe na alteração da natureza, funcionamento, utilização, acabamento ou apresentação do produto”. O magistrado defendeu ainda que, caso contrário, a base de cálculo do IPI se confundiria com a do ICMS.
A composição da 1ª Seção mudou de junho de 2014 para cá. Além de Pargendler, se aposentou o ministro Arnaldo Esteves Lima, que votava pela não tributação. Não estava presente na sessão desta quarta-feira o ministro Og Fernandes, que também tem posição favorável aos importadores.
Para Valduga, que defende a Athletic, é “gravíssimo” que o STJ altere seu posicionamento por meio de um recurso repetitivo. Ele lembra que diversos processos já transitaram em julgado com decisões favoráveis às importadoras.
O processo analisado nesta quarta-feira foi levado à 1ª Seção em fevereiro de 2014. Questões processuais dificultaram a tramitação do processo. Uma discussão preliminar – a possibilidade de afetar embargos de divergência como recurso repetitivo – teve que ser analisada pela Corte Especial.
O assunto também gerou polêmica na instância máxima do STJ. A decisão final, que possibilitou a afetação como repetitivo, foi tomada com nove votos a três.