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O Professor Heleno Torres participou de mesa de debates sobre 'Arbitragem e Direito Tributário'
O Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA, fundado pela Associação Comercial do Rio de Janeiro, FIRJAN e a Federação Nacional das Seguradoras – Fenaseg, organizou o I Congresso Internacional CBMA de Arbitragem.
Compondo a mesa que tratou da “Arbitragem e Direito Tributário”, o Professor Heleno Torres participou do Congresso no dia 10 de dezembro de 2015, na sede da Firjan, no Rio de Janeiro.
Em repetitivo, STJ reverte entendimento sobre cobrança de IPI
Por Bárbara Mengardo – Brasília
Alterando posicionamento tomado em junho de 2014, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que incide o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) na revenda de mercadorias importadas. A decisão obriga os importadores a recolherem o tributo ao trazerem produtos ao Brasil e revendê-los.
O caso foi julgado nesta terça-feira (14/10) sob o rito dos recursos repetitivos, o que significa que o entendimento deverá ser seguido pelos tribunais. O posicionamento é diametralmente oposto ao tomado pela 1ª Seção há pouco mais de um ano. À época, entretanto, a composição da turma era distinta da atual.
A decisão tem grande repercussão econômica. Falando pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) – que defendeu o ponto de vista da Fazenda Nacional e da indústria nacional -, o advogado Heleno Torres apresentou alguns números relacionados à causa.
De acordo com levantamento feito pela Fiesp, a não tributação pelo IPI levaria a uma perda anual de arrecadação de R$ 1 bilhão. Decisão favorável às importadoras levaria a uma “retração da indústria brasileira”, com perdas de R$ 19,8 bilhões e o possível corte imediato de 68 mil empregos.
Longo
O julgamento durou mais de quatro horas. Foram dez sustentações orais, feitas pelas partes e por sete amici curiae. O voto do relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, foi resumido em 40 minutos.
O ministro Mauro Campbell Marques foi o primeiro ministro da 1ª Seção a defender a incidência do IPI na revenda de importados. Salientou que diversas normas permitem a equiparação do importador ao industrial.
O artigo 46 do Código Tributário Nacional (CTN) prevê três hipóteses de incidência do IPI: o desembaraço aduaneiro, a saída do estabelecimento industrial ou equiparado, e a arrematação em leilão. Para Marques, de acordo com a norma, é possível a incidência do imposto tanto na importação quanto na revenda, já que se trata de dois fatos geradores distintos.
O magistrado reforçou ainda que o IPI incide sobre o preço da compra na importação e, posteriormente, sobre o preço da revenda, sendo possível ainda o creditamento. “[A empresa] acumula crédito, a ser pago na saída do produto, mantendo-se a tributação apenas sobre valor agregado”, disse.
Marques foi seguido pelos ministros Olindo Menezes, Sérgio Kukina, Assusete Magalhães e Herman Benjamin.
O posicionamento atende ao que defendia a Fiesp e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que sustentavam que a cobrança do IPI na revenda “equilibraria” a carga tributária de importadores e industriais brasileiros.
“Essa tributação [na revenda] foi feita para equalizar [o importador com o] industrial, que paga IPI na compra de insumos e depois da saída”, afirmou o procurador José Pericles, durante sustentação oral no STJ.
Bitributação
Na ponta oposta, o relator do caso, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, defendeu que essa cobrança de IPI caracterizaria bitributação. Para o ministro, a exigência do imposto na revenda tem “aparência de xenofobia”. “O importador ficará em franca desvantagem em relação ao comerciante de mercadoria nacional”, disse.
Para o relator, mesmo com a possibilidade de creditamento do IPI, os importadores arcam com uma carga tributária maior, já que teriam que recolher o IPI e o ICMS na saída da mercadoria. Os industriais, por sua vez, teriam que pagar apenas o ICMS, afirmou Maia Filho.
No entendimento do ministro, o IPI seria devido apenas nos casos em que a mercadoria importada sofre alteração, como uma mudança na embalagem. Caso contrário, para ele, estaria-se criando um “ICMS federal”, ou seja, um tributo federal que incide sobre a circulação de mercadorias.
Segundo o relator, a posição contrária à tributação já foi aplicada em mais de 500 decisões monocráticas (individuais), e foi alvo de mais de 70 julgamentos realizados pelas turmas do STJ. Reforçou ainda que não tem a intenção de quebrar a indústria nacional. “A proteção da indústria nacional é de competência dos governos, que se faça pela via da alteração dos impostos da importação”, disse.
Votaram da mesma forma os ministros Benedito Gonçalves e Regina Helena Costa.
O posicionamento segue o que defende a empresa envolvida no processo, a Athletic Indústria de Equipamentos de Fisioterapia. O advogado da companhia, José Antônio Valduga, sustentou que a revenda de importado não seria hipótese de incidência do IPI. O tributo, segundo ele, incidiria apenas em casos de “transformação ou aperfeiçoamento para consumo [da mercadoria]”, afirmou, durante a sustentação oral.
A advogada Bárbara Melo Carneiro, que representou a W Sul Logística em Duas Rodas (amicus curiae), argumentou que a tributação feriria o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt), o qual o Brasil é membro. O artigo 3º do acordo prevê que os países signatários não podem impor a produtos importados de outros países signatários impostos superiores aos praticados internamente.
Em seu voto, Maia Filho concordou que a cobrança do IPI na saída feriria o Gatt. “É uma maneira capciosa de se margear proibição contida em tratado internacional”, afirmou o ministro.
Precedentes
O assunto não é novo na 1ª Seção. Sobre o mesmo tema já foi julgado, em junho de 2014, um bloco de cinco ações. Em todas o STJ decidiu pela não incidência do IPI.
O resultado final ficou em cinco votos a três. Em seu voto, o relator designado para os casos, o ministro aposentado Ari Pargendler, afirmou que o IPI deve incidir apenas “sobre o montante que, na operação tributada, tenha resultado da industrialização, assim considerada qualquer operação que importe na alteração da natureza, funcionamento, utilização, acabamento ou apresentação do produto”. O magistrado defendeu ainda que, caso contrário, a base de cálculo do IPI se confundiria com a do ICMS.
A composição da 1ª Seção mudou de junho de 2014 para cá. Além de Pargendler, se aposentou o ministro Arnaldo Esteves Lima, que votava pela não tributação. Não estava presente na sessão desta quarta-feira o ministro Og Fernandes, que também tem posição favorável aos importadores.
Para Valduga, que defende a Athletic, é “gravíssimo” que o STJ altere seu posicionamento por meio de um recurso repetitivo. Ele lembra que diversos processos já transitaram em julgado com decisões favoráveis às importadoras.
O processo analisado nesta quarta-feira foi levado à 1ª Seção em fevereiro de 2014. Questões processuais dificultaram a tramitação do processo. Uma discussão preliminar – a possibilidade de afetar embargos de divergência como recurso repetitivo – teve que ser analisada pela Corte Especial.
O assunto também gerou polêmica na instância máxima do STJ. A decisão final, que possibilitou a afetação como repetitivo, foi tomada com nove votos a três.
A fiscalização tributária ganha força no Fisco global
No mundo globalizado, todos os países estão convencidos da urgência de ampliação das redes de convenções internacionais voltadas para as trocas de informações e mútua assistência, as atividades de informações “país a país” (country by country reporting), além das reformas necessárias aos instrumentos normativos antifraude internos e atualização das convenções para evitar a dupla tributação internacional, com o propósito de frear a redução das bases tributáveis em face da crescente onda de planejamentos tributários abusivos, assim considerados aqueles desprovidos de causa jurídica válida.
Na semana passada, ampliaram-se sobremaneira os poderes das Administrações Tributárias no esforço contra a fraude fiscal internacional e os chamados “planejamentos tributários abusivos” (elusão tributária), com a reunião de Ministros do G20, em Lima, e entrega das propostas do Base Erosion and Profit Shifting (Beps),[1] que visam a oferecer (i) “coerência” das normas internas de controles dos distintos países sobre as operações transnacionais elusivas, (ii) “susbstância” na relação entre a renda produzida e o vínculo com a jurisdição de cada país e de uma maior (iii) “transparência” e segurança jurídica para as relações entre Fisco e contribuintes.
Sobejam razões para este empenho. Estima-se que em virtude dos planejamentos com elusão tributária internacional verifica-se uma perda anual de arrecadação do Imposto sobre a Renda em torno de 5% a 10%, a variar segundo os países afetados. O Beps não apenas propõe-se a evitar estas perdas, como amplia a confiança no sistema econômico nacional, estimula o compliance e as regras de mercado, com competitividade equilibrada e redução de conflitividade.
Trata-se de momento histórico para a doutrina e a prática do Direito Tributário Internacional, a conclusão, pela OCDE, dos estudos de preparação do Beps. Um passo notável da humanidade para romper os limites estreitos das soberanias com o legítimo propósito de afirmar o dever de todos ao pagamento dos tributos, sem qualquer distinção, como propugnado desde a “Magna Charta”. Era urgente a colmatação de lacunas e vazios normativos entre ordenamentos tributários.
A partir de agora, a OCDE avança para as fases de monitoramento e de apoio técnico à implementação dos 15 planos de ação e, como reconhecimento do engajamento do Brasil neste propósito de reforma do sistema tributário para aprimorar os controles e inibir a elusão fiscal, equipe da OCDE virá ao País ainda este mês para apresentar ao Congresso Nacional e ao Ministério da Fazenda o modelo de funcionamento e a importância de aceleração das medidas.
Os novos tempos de Fisco global definem um renovado modelo de fiscalização, na forma de controle das atividades dos contribuintes, coerente com a complexidade dos negócios, crescente aumento da economia digital e fortalecimento da mútua assistência e trocas de informações.
Não há dúvidas que a forma mais eficaz de se evitar as perdas crescentes de arrecadações e a conflitividade em matéria tributária é investir na melhoria da relação entre Fisco e contribuintes, com qualidade do atendimento, orientação e fomento à espontaneidade. Ocorre, porém, que a Fiscalização reclama um conjunto valoroso de pessoas capacitadas e de meios para ser eficiente e assegurar a força necessária do Estado em favor da manutenção do patrimônio público.
Neste sentido, a Conferencia Técnica do Centro Interamericano de Administraciones Tributarias (Ciat), realizada em Roma, entre os dias 27 de setembro e 1º de outubro, reuniu representantes de mais de 50 países, como Brasil, Espanha, Holanda, Estados Unidos, França, Índia, Portugal, Canadá, Chile, Itália, México e Argentina, para um amplo debate sobre “a função de fiscalização da administração tributária” neste novo cenário internacional.
A situação atual, tendências e o uso de técnicas de fiscalização foram examinados em suas múltiplas possibilidades no Encontro, sob os auspícios do Secretário Executivo do Ciat, Márcio F. Verdi, e do Comandante Geral da Guardia di Finanza da Itália. Pelo Brasil, o Secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, elucidou muito bem a evolução da arrecadação brasileira, com forte destaque para a informatização e o empenho dos quadros da Receita Federal.
Temas fundamentais foram discutidos, como: o futuro da função de controle da Administração Tributária; poderes do Fisco ante aos direitos e garantias dos contribuintes durante o processo de fiscalização e tantos outros. Os meios disponíveis na economia digital, de fato, permitem avanços consideráveis para a Administração, ao mesmo tempo que a proteção de dados dos contribuintes reclama cuidados de controles cada vez mais qualificados.
O ponto em comum, porém, foram as manifestações quase unânimes em favor das iniciativas da OCDE sobre o Beps. Diversamente do que se ouviu no 69º Congresso da International Fiscal Association (IFA), em Basel, na Suíça, na primeira semana de setembro passado, cujas intervenções foram reveladoras de uma crítica evidente. Neste debate, deveras, nenhuma unanimidade será possível. Daí a oportuna conclusão de Roberto Duque Estrada sobre a necessidade de resguardar os direitos dos contribuintes, quando atribuídos maiores poderes ao Fisco.[2]
A segurança jurídica postula efetividade. Destarte, ao longo dos próximos anos, caberá à doutrina aprofundar as possibilidades de convivência harmoniosa entre os direitos e garantias dos contribuintes e as medidas de controle do Beps e dos acordos internacionais destinados à luta contra os planejamentos tributários abusivos. Numa síntese, o Direito Tributário Internacional entrará para valer na vida das pessoas e demandará por parte da doutrina o desafio da sua expansão teórica e prática.
1 Os documentos finais dos planos de ação encontram-se disponíveis em: http://www.oecd.org/tax/beps-2015-final-reports.htm.
2 http://www.conjur.com.br/2015-set-30/consultor-tributario-maiores-poderes-fisco-exigem-maior-protecao-direitos-contribuintes
O Professor Heleno Torres participou de Audiência Pública promovida pela Câmara dos Deputados para tratar do Projeto de Lei nº 2.960/2015
No dia 13 de outubro de 2015, a Câmara dos Deputados promoveu audiência pública para discutir projeto que pretende a repatriação do patrimônio lícito no exterior, mas ocultado do Fisco por meio de sonegação fiscal ou evasão de dívidas.
O Professor Heleno Torres participou do XII Congresso Nacional de Estudos Tributários do IBET
A edição de 2015 do Congresso Nacional de Estudos Tributários do IBET, que reuniu os coordenadores, professores e alunos dos cursos do Brasil inteiro, teve como tema o “Direito Tributário e os Novos Horizontes do Processo”, que aconteceu nos dias 09, 10 e 11 de dezembro, no Hotel Renaissance em São Paulo.
O Professor Heleno participou da mesa “Tributação Internacional”, quando ministrou sobre o tema “Tributação Internacional – Aspectos Polêmicos da Lei nº 12.973/2014”, palestra que aconteceu no dia 11 de dezembro.
O Professor Heleno Torres foi convidado a participar da Comissão de Juristas do Senado Federal
A Comissão Diretora do Senado Federal instituiu uma Comissão de Juristas com a finalidade de apresentar, no prazo de 180 dias, anteprojetos de Lei destinados a desburocratizar a Administração Pública Brasileira, melhorar a relação com as empresas, o trato com os cidadãos e promover a revisão do processo administrativo e judicial de execução fiscal (Art. 1º do Ato da Comissão Diretora nº 13, de 2015).
Workshop de Finanças Públicas e Política Econômica: Em homenagem aos 80 anos do Dr. Ives Gandra da Silva Martins
O Professor Heleno Torres participou, na qualidade de expositor, do Workshop em homenagem aos 80 anos Dr. Ives Gandra da Silva Martins, que teve como tema a “Situação de Crise e Ajuste Fiscal: momento de discutir finanças públicas”.
O evento aconteceu no dia 15 de outubro de 2015, quando o Professor Heleno participou do Painel 2, que discutiu o “Sistema Tributário Ideal: (i) consumo, renda ou patrimônio? (ii) concessão de benefícios fiscais?”.
Professor Heleno Torres participou do XXVIII Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil
O Professor Heleno Torres ministrou palestra sobre a “Contribuição da academia e do Direito Financeiro para o aprimoramento da gestão pública”, do Painel 3 – Aprimorando a governança pública, no dia 03 de dezembro de 2015, em Recife/PE.
Realizado pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil – Atricon e o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, o evento representa um marco na consolidação do papel das instituições no fortalecimento da democracia, trazendo temas atuais, relacionados com o aperfeiçoamento da governança pública e o combate à corrupção.
Professor Heleno Torres participou da Mesa de Abertura da I Jornada de Debates sobre a “Dívida Pública: Visões da Academia e da Sociedade Civil”, no Ministério Público Federal de São Paulo
No dia 20 de outubro de 2015, o Professor Heleno Torres participou da mesa de abertura da I Jornada de Debates sobre a Dívida Pública, evento realizado pela Procuradoria Regional da República da 3ª Região.
Promovido pelo Grupo de Trabalho sobre a Dívida Pública do Ministério Público Federal, formado em 2009, o evento reuniu pesquisadores e especialistas no tema, buscando trazer, além de uma visão geral sobre a dívida pública, temáticas como “Balizas e impasses econômicos na trajetória recente da gestão da dívida pública” e “Limites jurídico-constitucionais do regime da dívida pública”.
O Ministério Público está voltado à coleta de subsídios técnicos e de diferentes visões sobre o tema em questão, para o melhor enquadramento de possíveis atuações sua nesta matéria, pretendendo, ainda, realizar outras rodadas do evento para o aprofundamento do assunto, inclusive e se possível, com enfoques diversificados.
O evento foi filmado e transmitido ao vivo pela internet, assim como serão disponibilizados os vídeos respectivos no site da TV MPF, de acesso livre.
VI Congresso Brasileiro de Direito Tributário Internacional do IBDT
No dia 20 de agosto de 2015, o Professor Heleno Torres participou do VI Congresso Brasileiro de Direito Tributário Internacional, organizado pelo IBDT, no qual expôs o contraponto brasileiro àAction 15: Develop a multilateral instrument, do Plano de Ação da OCDE, que foi objeto de palestra do Professor Michael Lennard.
O Congresso buscou contrastar a abordagem encontrada no Direito Comparado e no Direito Pátrio, avaliando-se os desdobramentos do Plano de Ação da OCDE no contexto de países em desenvolvimento e investigando0se os desafios colocados a Estados não membros da Organização.
Convenções para evitar a dupla tributação após a vigência da Convenção de Viena
Para solucionar os problemas causados pelo fenômeno da dupla ou pluritributação internacional, os países devem eleger, unilateralmente, os mecanismos internos que lhes pareçam mais adequados para evitar suas consequências e, ao mesmo tempo, utilizarem-se das convenções para eliminar a dupla tributação internacional, cuja interpretação vê-se sobremodo afetada pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, mas que somente com o Decreto 7.030, de 14 de dezembro de 2009, passou a vigorar no Brasil.
As convenções internacionais para evitar a dupla tributação têm por finalidade evitar, reduzir ou eliminar a pluritributação internacional, bem como para prevenir e combater a evasão e elusão tributária internacional, impedir a discriminação e garantir maior segurança jurídica aos contribuintes, pela certeza do direito aplicável.
No Brasil, a prevalência de aplicabilidade das convenções em matéria tributária sobre a legislação infraconstitucional encontra-se assegurada pelo artigo 98 do Código Tributário Nacional, o que tem sido confirmado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[1] por várias decisões.
Essa superioridade hierárquica advém da Constituição, que, em seu artigo 146, III, atribui às normas gerais em matéria de legislação tributária prevalência sobre as leis da União, dos estados e dos municípios. Para tanto, o CTN, em seu artigo 98, assim prescreve: “Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”.
Duas são as funções deste artigo 98 do CTN: i) recepção sistêmica das normas convencionais e, quanto à ii) execução dessas, um comando comportamental — modalizado como “proibido” — destinado ao legislador ordinário, de veto a qualquer pretensão de alteração in fieri, por via unilateral, do quanto fora pactuado, nos termos do princípio pacta sunt servanda intra pars — o que confirma o princípio da prevalência de aplicabilidade sobre o direito interno, como decorrência da aplicação dos artigos 4º e 5º, parágrafo 3º, da CF.
O tratamento jurídico definido nas convenções para evitar a dupla tributação define-se pela função das regras veiculadas, segundo os tipos de qualificações dos rendimentos (lucros de empresas, dividendos, ganhos de capital etc.) e mediante atribuição de competência ou de isenção, para tributação pelo Estado da fonte, pelo Estado da residência, ou por ambos os Estados.
Basicamente, há três classes de disposições nas CDT, quanto à forma de distribuição do poder de tributar dos países:
regras que atribuem a competência tributária ao Estado da residência, como são os rendimentos de profissionais dependentes, os lucros das empresas e os rendimentos de profissionais independentes — salvo se auferidos por intermédio de estabelecimento permanente pessoal ou material no outro Estado — e os lucros provenientes da navegação marítima ou aérea — que são tributados no Estado em que se localiza a sede efetiva; regras que atribuem a competência tributária ao Estado da fonte produtiva, como é o caso dos tributos incidentes sobre rendas auferidas de bens imobiliários, explorações agrícolas ou florestais, os rendimentos de artistas ou desportistas, pensões ou remunerações similares, importâncias recebidas por estudantes e estagiários; e aquelas regras que permitem que a tributação seja exercida por ambos os Estados signatários como é o caso dos juros, royalties e dos dividendos, por vezes, com limitação de alíquotas e obrigando os Estados da residência a reconhecerem como crédito de imposto o valor pago no Estado da fonte ou a isentarem tais rendimentos. Se a competência para tributar determinada categoria for atribuída a um único Estado e este Estado não a exercer, o outro não poderá tributá-la. Contudo, essa competência poderá ser compartilhada, como se verifica na hipótese dos rendimentos empresariais com tratamento isolado dos arts. 10, 11 e 12, da CDT.
No que concerne aos rendimentos isolados, as convenções operam com regras objetivas e exaurientes do tratamento segundo as matérias, como nos dividendos (artigo 10), juros (artigo 11) e royalties (artigo 12). Se um rendimento isolado não se define numa dessas categorias especiais, e sendo ele inerente à atividade empresarial desenvolvida, subsome-se imediatamente à categoria de lucro de empresa (artigo 7º). E para os demais tipos de rendimentos, não previstos naquelas regras específicas ou redutível ao conceito de “lucro de empresa”, cumprirão o destino que se lhe dê o regime da norma aplicável aos “outros rendimentos” (artigos 21 ou 22 das CDT)[2].
Como observa Kees Van Raad, a aplicação das CDT exige do intérprete permanente cuidado com alguns pressupostos fundamentais, a saber: 1) os tratados para evitar a dupla tributação restringem a aplicação das regras tributárias locais; 2) alguns termos de Direito Tributário podem ter significados diferentes nos âmbitos da legislação interna e nos tratados; 3) deve-se ter conhecimento dos regimes das regras distributivas de competência (Estado de residência versus Estado da fonte); 4) do escopo dessas regras distributivas (alcance e qualificação das categorias de rendimentos); 5) e de que essas regras distributivas geralmente não tratam da questão sobre qual pessoa se sujeitaria à tributação segundo a espécie de rendimento[3].
A partir da sua entrada em vigor no Direito brasileiro, as normas veiculadas por tratados e convenções internacionais devem ser interpretadas em conformidade com o artigo 31 e seguintes da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), o que deve compreender, além do texto, o contexto, seu preâmbulo e anexos.
Nos termos do artigo 31 da Convenção de Viena, a interpretação das CDT deverá partir sempre dos enunciados prescritivos (texto) para a construção de normas jurídicas gerais e abstratas, que se relacionam sistematicamente com outras normas também construídas a partir do texto da convenção. Do texto convencional vai-se ao seu contexto e deste ao direito interno dos Estados contratantes, sempre que possível, para alcançar a composição da norma individual e concreta aplicável.
A interpretação contextual compreende outros acordos já celebrados entre as partes, instrumentos multilaterais anteriores relacionados com ele, posterior acordo entre as partes, práticas ulteriores que manifestem o consenso entre estas, bem como as regras de Direito Internacional aplicáveis[4]. Instrumentos preparatórios como minutas, memorandos técnicos, relatórios, protocolos de intenções ou documentos posteriores que revelem a posição dos Estados devem ser considerados pelo intérprete para a construção das normas internacionais, nos termos do artigo 32 da Convenção de Viena.
As convenções para evitar a dupla tributação dispõem de uma regra específica para a interpretação das respectivas normas convencionais, que é o artigo 3º, parágrafo 2º, que estabelece:
“No que se refere à aplicação da convenção, num dado momento, por um Estado contratante, qualquer termo ou expressão não definida de outro modo terão, a não ser que o contexto exija interpretação diferente, o significado que lhe for atribuído nesse momento pela legislação desse Estado que regula os impostos a que a convenção se aplica, prevalecendo a interpretação resultante da legislação fiscal sobre a que decorre de outra legislação desse Estado”[5].
Observando atentamente as disposições deste artigo, de início encontramos a proposição: “qualquer termo ou expressão não definida de outro modo”. Por meio desta, o Modelo OCDE procurou demarcar o grupo de enunciados convencionais sobre os quais o procedimento hermenêutico deve se realizar exclusivamente no âmbito textual, i.e., sobre as expressões que encontrem definições expressas no texto da convenção, como é o caso das que figuram nos artigos 3º, parágrafo 1º, 10, parágrafo 3º, e 12, parágrafo 2º, do modelo (estabelecimento permanente, residência etc.), com a aplicação dos critérios especiais de interpretação dos tratados internacionais.
Diversamente, tratando-se de termos que não estejam expressamente definidos pelo texto convencional, estas “terão, a não ser que o contexto exija interpretação diferente, o significado que lhe for atribuído nesse momento pela legislação desse Estado que regula os impostos a que a convenção se aplica”. Para tais expressões, dada a natureza e peculiaridades que as envolvem, o artigo faz um reenvio à legislação interna dos países contratantes. Mas a este reenvio impõe uma limitação: “a não ser que o contexto exija interpretação diferente”. Ou seja, retomando o campo interpretativo de Direito Internacional, a lex interpretatio estabelece uma fase intermediária, de perscrutação contextual, ficando o reenvio sempre como um meio de ultima ratio.
O contexto, em linguagem corrente, designa o conjunto de elementos exteriores ao texto propriamente dito, suscetíveis de contribuírem para o esclarecimento da significação dos termos contidos no texto convencional, utilizado pelo intérprete na busca da intenção das partes. Para demarcar com precisão o que se deve entender por contexto, faz-se necessário uma integração do artigo 3º, parágrafo 2º com os princípios gerais da CVDT quanto à interpretação dos tratados, naquilo que lhe seja compatível. Afora esta, aplicam-se, subsidiariamente, também, as regras da praxis e da jurisprudência internacional.
O sentido da regra do artigo 3º, parágrafo 2º “(…) a não ser que o contexto exija interpretação diferente (…)”, consiste precisamente na necessidade de evitar que as regras convencionais sejam interpretadas em modos divergentes e, o menos possível, de modo unilateral, por reenvio ao direito interno. É dizer, só motivos de completa insuficiência autorizam a recorrência ao Direito interno dos Estados contratantes, ressalvados os casos de integração normativa, cuja ida ao Direito interno é incontornável e imprescindível.
A questão mais árdua é a de estabelecer um nexo relacional rigoroso entre o termo contexto e as categorias indicadas nos artigos 31 e 32, CVDT, que qualificam o contexto em três distintas formas, conforme o modo de manifestação, a saber: adotando a forma de contexto, como definido no artigo 31, parágrafo 2º, a) e b); contexto em sentido restrito, nos termos do artigo 31, parágrafo 3º, a) e b); ou de contexto em sentido amplo, como previsto no artigo 32. Nada obstante algumas refutações doutrinárias, têm-se que os critérios balizados pela CVDT nestas cláusulas são plenamente factíveis de serem aplicados às regras das convenções em matéria tributária sobre a renda e o capital, e é neste modelo que serão apuradas suas nuanças e possibilidades.
De acordo com o artigo 31 da Convenção de Viena, “os tratados deverão ser interpretados em boa-fé, de harmonia com o significado comum a ser dado aos termos do tratado ‘no seu contexto’ e ‘à luz do seu objeto e propósito’”. No parágrafo 2º deste artigo, a convenção, ao definir o termo “contexto”, faz saber que o mesmo compreende, além do “texto”, do “preâmbulo” e dos “protocolos alegados”, outros elementos, como qualquer instrumento elaborado por uma ou mais partes, em conexão com a conclusão do tratado.
O preâmbulo e os anexos fazem parte do conjunto do tratado. São dados textuais determinantes para a demarcação do objeto ou da finalidade daquele, como o próprio corpo do texto, enquanto estrutura linguística predisposta à interpretação. O tratado, em si, é todo um sistema, posto numa dada situacionalidade contextual, motivo pelo qual os seus anexos, adendos e preâmbulo lhe complementam e lhe ofertam uma identidade própria.
Não é sempre muito fácil delimitar quais são os instrumentos elaborados por uma ou mais partes, em conexão com a conclusão do tratado (aceitas pela outra parte como tal), que sejam idôneos para serem apreciados como contexto. Dentre esses, temos as várias notas explicativas produzidas pelos órgãos dos respectivos Estados contratantes, quando das fases de negociação ou de ratificação do tratado, que finda por funcionar, sua apreciação, como um método histórico de interpretação e de pouca utilidade.
A CVDT, no artigo 32, acrescenta ser legítimo o recurso a meios suplementares de interpretação, como os trabalhos preparatórios, que fazem parte das circunstâncias da celebração e da conclusão da convenção, com o objetivo de confirmar o significado preciso do que fora formulado ou de atribuir um significado mais coerente às disposições da convenção, nos casos em que o método previsto no artigo 31 conduza a uma interpretação ambígua, confusa ou resultado aparentemente absurdo e irracional.
Os comentários à convenção-modelo[6], deveras, são de extrema relevância para a interpretação das CDT, pois representam uma tentativa de uniformização do significado dos termos adotados, atualizados permanentemente e voltados à solução de potenciais conflitos ou controvérsias com base na aplicação das CDT[7]. Logicamente, após a incorporação da convenção pelo direito interno, enquanto direito positivo, cabe ao intérprete determinar o sentido do seu texto em conformidade com o direito interno e as regras do “contexto”. É justamente nesse âmbito que os comentários cooperam com a designação de sentido dos termos utilizados.
Embora o Brasil não seja membro da OCDE, a Receita Federal tem sempre mantido observância aos comentários ao Modelo[8]. Com maior rigor, conceitos expressamente definidos no Modelo OCDE, como lucros das empresas, juros, royalties, residentes, estabelecimentos permanentes e outros, devem ser interpretados textualmente, de acordo com as regras da Convenção de Viena e com os próprios critérios adotados no Modelo.
Em síntese, as regras das convenções internacionais para evitar a dupla tributação combinam uma série de critérios destinados à i) neutralização das divergências, ii) resolução dos concursos impositivos porventura existentes entre dois sistemas jurídicos e iii) estabilização da segurança jurídica pela certeza do direito aplicável, suas disposições devem ser compreendidas nestes termos. E como são regras modificativas das previsões internas, que atuam nas relações com os residentes de um ou outro Estado contratante, suas previsões de repartição de competências (melhor, de capacidade tributária ativa), postulam uma interpretação coerente com essas finalidades. Para esses propósitos, a CVDT, que constitui uma espécie de codificação para a aplicação dos tratados internacionais, impõe que seus artigos 31 e 32 sejam plenamente observados nas interpretações das convenções de Direito Internacional Tributário (principalmente aquelas que envolvam Estados signatários da CVDT)[9].
[1] “EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO. RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988 DO ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO. ISENÇÃO DE TRIBUTO ESTADUAL PREVISTA EM TRATADO INTERNACIONAL FIRMADO PELA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. ARTIGO 151, INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ARTIGO 98 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE ISENÇÃO HETERÔNOMA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A isenção de tributos estaduais prevista no Acordo Geral de Tarifas e Comércio para as mercadorias importadas dos países signatários quando o similar nacional tiver o mesmo benefício foi recepcionada pela Constituição da República de 1988. 2. O artigo 98 do Código Tributário Nacional ‘possui caráter nacional, com eficácia para a União, os Estados e os Municípios’ (voto do eminente Ministro Ilmar Galvão). 3. No direito internacional apenas a República Federativa do Brasil tem competência para firmar tratados (art. 52, § 2º, da Constituição da República), dela não dispondo a União, os Estados-membros ou os Municípios. O Presidente da República não subscreve tratados como Chefe de Governo, mas como Chefe de Estado, o que descaracteriza a existência de uma isenção heterônoma, vedada pelo art. 151, inc. III, da Constituição. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido”. RE 229096-RS, Tribunal Pleno, Relatora p/ Acórdão: Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 16/08/2007. Cf. Recurso Extraordinário (RE) nº 90.824, 25.06.1980, DO 19.09.1980.
[2] VOGEL, Klaus. Klaus Vogel on double taxation conventions: a commentary to the OCDE, UN and US Model Conventions for the avoidance of double taxation of income and capital (with particular reference to German Treaty Practice). Boston : Kluwer, 1991, p. 1074.
[3] RAAD, Kees van. Cinco regras fundamentais para a aplicação de tratados para evitar a dupla-tributação. Revista de Direito Tributário Internacional, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 195-207, 2005.
[4] Sobre o artigo 31 da Convenção de Viena, Frank Engelen afirma: “It is honest, fair and reasonable to presume that the terms of a treaty have been used in the sense in which any State conducting itself in the matter in accordance with normal practice and in good faith would have understood them in the context of the treaty, and Article 31(1) VCLT accordingly provides that a treaty shall be interpreted in good faith in accordance with the ordinary meaning to be given to the terms of the treaty in their context and in the light of the treaty’s object and purpose.” ENGELEN, Frank (Ed.). The legal status of the OECD commentaries. Amsterdam: IBFD, 2008, p. 132; BARENFELD, Jesper. Taxation of cross-border partnerships. Amsterdam: IBFD , 2005, p. 35.
[5] “As regards the application of the Convention at any time by a Contracting State, any term not defined therein shall, unless the context otherwise requires, have the meaning that it has at that time under the law of that State for the purposes of the taxes to which the Convention applies, any meaning under the applicable tax laws of that State prevailing over a meaning given to the term under other laws of that State.”
[6] Os comentários da OCDE, embora não sejam vinculantes para os Estados não-membros, desempenham importante papel no tocante à interpretação das CDT. Ainda sobre o assunto: PIJL, Hans. Os comentários da OCDE como fonte do direito internacional e o papel do poder judiciário. Revista de Direito Tributário Internacional, São Paulo, v. 2, n. 4. p. 203-228. 2006; JONES, John Avery. The binding nature of the OECD commentaries from the UK point of view. In: The legal status of the OECD commentaries. Amsterdam: IBFD, 2008, p. 157-162; VALENTE, Piergiorgio. 2008 OECD model convention – modifications to articles and commentary. Rivista di Diritto Tributario Internazionale, Roma, n. 3, p. 125-151, sett/dic, 2008; WEISS, Friedl. Interpretation of tax treaties in accordance with the commentaries on the OECD model tax convention under the Vienna convention on the law of treaties. In: DOUMA, Sjoerd; ENGELEN, Frank (Ed.). The legal status of the OECD commentaries. Amsterdam: IBFD, 2008, p. 131-152.
[7] LANG, Michael. O papel dos comentários da OCDE na interpretação dos acordos de bitributação. Revista de Direito Tributário Internacional, São Paulo, v. 3, n. 9, p. 203-220. ago. 2008.
[8] O Fisco Brasileiro, geralmente, adota os comentários da OCDE para solução de conflitos e outras questões vinculadas à interpretação dos tratados em matéria tributária.
[9] A respeito da interpretação segundo a CVDT e a sua aplicação aos tratados em matéria tributária, veja-se o importante estudo: MELIS, Giuseppe. L’interpretazione delle convenzioni internazionali in materia di imposte sul reddito e sul patrimonio. Rassegna Tributaria, Roma: ETI, 1995, nº 12, dic., a. XXXVIII, p. 1966 e ss.
Mesa de Debates do Grupo de Estudos Tributários da FIESP sobre Declaração de Planejamento Tributário
O Professor Heleno Torres participou de Mesa de Debates sobre o tema “Declaração de Planejamento Tributário instituída pela Medida Provisória nº 685/2015”, que o GET – Grupo de Estudos Tributários da FIESP realizou em parceria com o Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP no dia 18 de setembro de 2015.
Sua palestra tratou da “Segurança jurídica: Conceitos indeterminados e cláusulas gerais (art. 7º, I e II), casos de ineficácia da declaração (art. 11), e presunção de omissão dolosa (arts. 7º, 11 e 12) e seus desdobramentos tributários.
Os debates tiveram início a partir das 9h00 às 17h30, no edifício-sede da FIESP, Avenida Paulista, 1313 – Auditório 4º andar.
Posse Solene do Professor Heleno Torres como Titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP
No dia 21 de setembro de 2015, às 19h00, no Salão Nobre da Faculdade De Direito (Largo São Francisco, 95), aconteceu a cerimônia da Posse Solene de Professor Titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP.
A cerimônia teve início com a entrada do Professor Heleno Torres, procedida do discurso do Professor Titular Régis Fernandes de Oliveira, em nome da Egrégia Congregação, finalizando a cerimônia com o discurso de agradecimento do Professor Heleno Torres e um coquetel para os presentes.
O Professor Heleno Torres foi convidado para oferecer sugestões de mudanças normativas em audiência pública da CPI do CARF do Senado Federal
O Professor Heleno Torres foi convidado pelo Senado Federal para participar, como debatedor e expositor, de audiência pública sobre proposta de reestruturação do contencioso administrativo fiscal da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios.
XIX Congresso Internacional de Direito Tributário
A diretoria da Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT convidou o Professor Heleno Torres para participar da programação científica de seu XIX Congresso Internacional de Direito Tributário, que realizou-se no período de 23 a 25 de setembro de 2015, na Faculdade Milton Campos, em Belo Horizonte.
O tema central foi “Contencioso Tributário e os Direitos Fundamentais” e o homenageado deste ano foi o Ministro do STF, José Antônio Dias Toffoli.
Reformas do Federalismo Fiscal Avançam no Brasil
Ao tratar dos desafios do federalismo brasileiro, em conferência realizada em 3 de junho passado no 10° Congresso Nacional da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), em Bento Gonçalves (RS), ressaltei a importância dos avanços que podem advir da ampla reforma fiscal que está em curso em nosso país, tanto dos estados quanto dos municípios, na esperança de que seja igualmente portadora de mais justiça fiscal.
A ninguém interessa a ineficiência ou a perda de capacidade financeira dos entes federais, que devem ser dotados de Fiscos competitivos e indutores do desenvolvimento.
Uma realidade inequívoca é que o federalismo fiscal está em evidência[1] e carece de medidas fundamentais para soluções de seus distintos problemas. Nesse empenho, está em curso expressiva reforma tributária e federativa, patrocinada pelo Senado e pelo Ministério da Fazenda, que não pode esperar. Sabe-se que o adiamento de soluções trará prejuízos para todos, pelas múltiplas repercussões da reforma federativa. Daí a urgência da solução da crise política instalada.
A reforma do federalismo fiscal revela-se como tema central do nosso constitucionalismo, cujos desafios não se limitam ao ICMS e sua fratricida “guerra fiscal”. Não obstante, essa é, de longe, a questão mais emergencial.
Nesse sentido, a primeira ação impulsionada pelo Senado veio em 2012, quando foi publicada a Resolução 13/2012 contra a chamada “guerra dos portos”, para modificar a alíquota do ICMS na importação (4%). Essa medida, apesar de inibidora dos incentivos agressivos na importação, guarda dificuldades práticas, tanto pela burocracia quanto pelas diferenças de alíquotas interestaduais fundadas na agregação de “conteúdo nacional”. Na verdade, somente com a uniformização das alíquotas interestaduais do ICMS poder-se-á ver a eliminação integral dessas dificuldades ainda abertas.
Para introduzir a cobrança no destino do ICMS, veio em seguida o Projeto de Resolução (PRS) 1/2013, mediante redução das alíquotas interestaduais (7/5/2013). Em 13 de maio de 2015, o Senado retomou essa discussão, e atualmente encontra-se em debate a mudança do percentual das alíquotas do ICMS, que podem ser unificadas nos estados entre 4% e 7%, progressivamente. Esse projeto segue em debate, mas no que concerne às operações interestaduais do ICMS, recentemente em 16 de maior de 2015, foi promulgada a Emenda Constitucional 87/2015, que reparte entre estados de origem e de destino o ICMS da venda pela internet (a partir de 2019, a alíquota será 100% do estado de destino).
Quanto às dívidas de ICMS decorrentes da glosa de créditos de ICMS no estado de destino, em virtude dos incentivos fiscais reconhecidamente inconstitucionais, em 7 de maio de 2015, o Plenário do Senado aprovou o PLS 130/2014, proposto pela senadora Lúcia Vânia (sem partido/GO), para convalidar os referidos créditos derivados de incentivos fiscais concedidos em modo divergente ao regime do art. 2º da LC 24/75. A reforma não está concluída e depende ainda de proposta do Executivo instituindo fundo de compensação pelas perdas dos estados com a redução das alíquotas interestaduais.
A instituição do referido fundo adveio com a Medida Provisória 683, de 13 de julho de 2015, que o qualifica do seguinte modo: “Artigo 12. Fica instituído o Fundo de Auxílio Financeiro para Convergência de Alíquotas do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – FAC-ICMS, vinculado ao Ministério da Fazenda, com o objetivo de auxiliar financeiramente os Estados e o Distrito Federal durante o período de convergência das alíquotas do ICMS, compreendido como os oito anos seguintes ao efetivo início da convergência”. E o artigo 21 prescreve que a prestação do auxílio financeiro de que trata o art. 12 fica condicionada à: “I – apresentação de relação com a identificação completa de todos os atos relativos a incentivos ou benefícios fiscais ou financeiros cuja concessão não tenha sido submetida à apreciação do Confaz; II – celebração de convênio entre os Estados e o Distrito Federal por meio do qual sejam disciplinados os efeitos dos incentivos e benefícios referidos no inciso I e dos créditos tributários a eles relativos; III – aprovação de resolução do Senado Federal, editada com fundamento no inciso IV do parágrafo 2º do artigo 155 da Constituição, por meio da qual sejam reduzidas as alíquotas do ICMS incidente nas operações e prestações interestaduais; e IV – prestação, pelos estados e pelo Distrito Federal, das informações solicitadas pelo Ministério da Fazenda, necessárias à apuração do valor do auxílio financeiro de que trata esta Medida Provisória”. O fundo não se aplica a quem venha a conceder, prorrogar ou manter incentivo ou benefício fiscal ou financeiro em desacordo com a legislação.
A Medida Provisória 683/2015 criou ainda o “Fundo de Desenvolvimento Regional e Infraestrutura (FDRI), fundo especial de natureza contábil, vinculado ao Ministério da Fazenda, com a finalidade de reduzir as desigualdades socioeconômicas regionais, custear a execução de projetos de investimento em infraestrutura e promover maior integração entre as diversas regiões do país, nos termos do disposto no artigo 3º, caput, inciso III, da Constituição”. Em ambos os casos, condicionados à instituição e arrecadação de multa de regularização cambial tributária relativa a ativos mantidos no exterior ou internalizados.
O Congresso aprovou a Lei Complementar 148/2014, que limitou os juros reais a 4% ao ano (ou Selic, o que for menor), mais correção pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), nos empréstimos da União para estados e municípios. E, como supostamente a União não aplicou a redução dos encargos das dívidas, o PLC 15/2015 foi modificado pela Câmara para autorizar a regra impositiva a partir de 31 de janeiro de 2016, independentemente de regulamentação pelo Poder Executivo. Em vista disso, o artigo 1º, da Lei Complementar 151, de 5 de agosto de 2015, modificou a Lei Complementar 148/2014, para permitir que a União, nos contratos de refinanciamento de dívidas, conceda descontos sobre os saldos devedores dos contratos em valor correspondente à diferença entre o montante do saldo devedor existente em 1º de janeiro de 2013 e aquele apurado utilizando-se a variação acumulada da taxa Selic desde a assinatura dos respectivos contratos, observadas todas as ocorrências que impactaram o saldo devedor no período. E, no parágrafo único, do artigo 4º, que a União terá até 31 de janeiro de 2016 para promover os aditivos contratuais, independentemente de regulamentação, após o que o devedor poderá recolher, a título de pagamento à União, o montante devido, com a aplicação da Lei, ficando a União obrigada a ressarcir ao devedor os valores eventualmente pagos a maior.
Houve também a apresentação de Emenda ao PLC 15/2015, para permitir aos estados e municípios o repasse de depósitos judiciais para suas contas únicas de 70% de todos os depósitos judiciais ou administrativos. Os 30% remanescentes serão mantidos em um fundo de reserva nas instituições financeiras públicas. Trata-se de medida que chega tardiamente, haja vista esse procedimento ser adotado pela União desde 1998, com procedimento já examinado e considerado constitucional pelo STF.
Conforme o artigo 3º, da Lei Complementar 151, de 5 de agosto de 2015, “a instituição financeira oficial transferirá para a conta única do Tesouro do Estado, do Distrito Federal ou do município 70% (setenta por cento) do valor atualizado dos depósitos referentes aos processos judiciais e administrativos de que trata o artigo 2º, bem como os respectivos acessórios”. Ao mesmo tempo, os parágrafos 1º e 3º asseguram que “deverá ser instituído fundo de reserva destinado a garantir a restituição da parcela transferida ao Tesouro” e “cujo saldo não poderá ser inferior a 30% (trinta por cento) do total dos depósitos”, acrescidos da remuneração que lhes foi atribuída. Pelo parágrafo 5º, os valores recolhidos ao fundo de reserva terão remuneração equivalente à taxa Selic para títulos federais. E, para proteger o direito dos jurisdicionados, o artigo 8º dispõe que encerrado o processo litigioso com ganho de causa para o depositante, mediante ordem judicial ou administrativa, o valor do depósito efetuado, acrescido da remuneração que lhe foi originalmente atribuída, será colocado à disposição do depositante pela instituição financeira responsável, no prazo de três dias úteis.
Portanto, com o depósito do valor integral do débito, inclusive dos juros de mora devidos até então, a responsabilidade pela atualização do débito e pelo acréscimo dos juros remuneratórios passa a ser da instituição financeira na qual se encontram os valores. Não há qualquer novidade. É o mesmo regime que se verifica com a Lei 9.703/98, que determinou que os depósitos judiciais devem ser atualizados pela Selic (parárafos 4º, do artigo 39, da Lei 9.250/95), que será a mesma taxa de juros aplicável aos créditos tributários, ao final da controvérsia. Com isso, o depósito implica a perda temporária da disponibilidade de recursos pelo contribuinte e o direito de uso imediato pela Fazenda Pública nas finalidades definidas no artigo 7º, da Lei Complementar 151/2015. Esse repasse do depósito judicial à conta única do Tesouro Nacional foi declarado constitucional pelo STF, no Julgamento da ADI 1933/DF[2].
Em junho de 2013, o Congresso aprovou a Lei Complementar 143/2013, que instituiu novas regras de rateio do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Mais tarde, em 5 de agosto de 2014, veio a Emenda à Constituição 84/2014, que aumentou em 1% o repasse de recursos da União para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Não é demais recordar que, em 24 de fevereiro de 2010, o STF julgou procedentes as ações para declarar a inconstitucionalidade do artigo 2º, da Lei Complementar 62/1989, mantida sua aplicação até 31 de dezembro de 2012. Sobreveio, então, a Lei Complementar 143/2013, que igualmente já se encontra submetida a contestação, pela ADI 5.069, com relatoria do ministro Dias Toffoli.
Espera-se ainda o debate e eventual aprovação dos seguintes projetos, dentre outros de semelhante importância e repercussão sobre o federalismo, a saber:
– PEC 172/2012, do deputado Mendonça Filho (DEM-PE), que veda qualquer transferência, feita pela União, de encargo ou prestação de serviços a estados, Distrito Federal ou municípios sem a previsão dos repasses financeiros necessários ao seu custeio;
– PLS 86/2013, do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), o qual reduz a zero a contribuição para o PIS/Pasep incidente sobre receitas arrecadadas por estados e municípios, inclusive as transferidas pela União;
– PLS 312/2013, de autoria do então senador Pedro Simon, que determina à União a entrega aos estados, em parcelas mensais, do montante equivalente às perdas de arrecadação decorrentes das desonerações de exportações de produtos primários e semielaborados (isenções previstas na Lei Kandir, Lei Complementar 87, de 1996);
– PLS 95/2015, do senador José Serra (PSDB-SP), o qual institui o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento do Saneamento Básico, afasta a obrigação das empresas de saneamento de recolherem PIS/Pasep e de Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins); e
– PLS 375/2015, do senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), que institui o ambicioso programa de Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), para conferir meios para reduzir as desigualdades regionais e fortalecer a coesão social, econômica, política e territorial do Brasil.
Existe uma série de outras medidas e propostas em tramitação, tanto no Ministério da Fazenda quanto no Senado Federal, para o aprofundamento das reformas do pacto federativo brasileiro. Recentemente, a Comissão Especial para o Aprimoramento do Pacto Federativo (CEAPF), instituída no Senado em 26 de maio de 2015, e com duração até 8 de setembro, apresentou seu primeiro relatório para rediscutir o modelo de financiamento de estados e municípios e sistematizar e priorizar as várias propostas em tramitação no Senado Federal sobre o tema[3].
Essas são partes de uma ampla reforma silente do ICMS e do federalismo fiscal brasileiro, mas não são os únicos entraves fiscais enfrentados pelo federalismo brasileiro. Há outros que estão na agenda fiscal.
O primeiro, aparentemente, não tem relação com estados e municípios. Trata-se da renovação da Desvinculação de Recursos da União (DRU), pela qual o governo pode transferir até 20% da arrecadação para outras despesas, como o pagamento de dívidas. O Congresso aprovou a PEC 114/2011, que prorrogou a DRU até 31 de dezembro de 2015. O total da desvinculação gira em torno de 70 bilhões. O desafio será a sua renovação. É induvidoso que se a União não obtiver a referida autorização isso trará repercussão negativa para todos, porquanto não disporá de recursos para diversas despesas, inclusive as que podem ser assumidas com a reforma do pacto federativo, acima mencionadas (renovação de contratos, fundos de compensação e outros).
Outro grande desafio é a reforma do sistema de decisão de conflitos, pelo processo administrativo e pela excecução fiscal. Em média, 40% das ações judiciais em curso em todo o país são de natureza tributária. Afora isso, tem-se um passivo total superior a R$ 2,5 trilhões em todo o federalismo. O processo administrativo reclama lei complementar que traga regime uniforme de formalidades e procedimentos em comum. A reforma da lei de execução fiscal igualmente pode ampliar a recuperação de recursos, com maior brevidade e eficiência.
Ao mais, é preciso avançar nos sistemas de fiscalização com mútua assistência entre a União, os estados e municípios, para reduzir a evasão e as fraudes tributárias.
Por todos esses motivos, é muito oportuna a reforma do federalismo fiscal, que não se limita a ser modelo de repartição espacial das unidades federadas, mas carrega consigo a expectativa de servir como cláusula de identidade constitucional. Restabelecer a capacidade financeira dos estados e municípios é uma das mais urgentes demandas do nosso país. Claramente, muito se queda dependente de decisões políticas, mas é algo que não pode esperar e reclama compromisso de todos.
Dentre todos, o maior desafio consiste em criar condições para a retomada do crescimento econômico, fomentar o desenvolvimento e ampliar a capacidade de financiamento das administrações de estados e municípios, dos investimentos em infraestrutura, bem como dos recursos destinados à educação, à saúde e às mais variadas políticas públicas regionais. Contudo, esse processo de reformas não pode esquecer-se dos contribuintes, das melhorias do sistema tributário para permitir a suportabilidade da carga tributária, a simplificação na arrecadação dos tributos e no equilíbrio entre todos, para eliminar hipóteses de vantagens indevidas ou excessivo de tributos sobre alguns. No Estado Democrático de Direito, não há sistema tributário eficiente sem justiça fiscal.
Para avaliar essas e outras alterações normativas, neste semestre ministraremos nos cursos de doutorado e mestrado da Faculdade de Direito da USP a disciplina Federalismo Fiscal, juntamente com o professor Fernando Facury Scaff, para promover uma ampla reflexão sobre a respectiva acomodação ao nosso modelo constitucional. A universidade deve ter o papel da crítica e compromisso permanente com a construção de medidas de transformação da sociedade e do Estado. E, passados mais de 25 anos de vigência da Constituição de 1988, é chegada a hora do aprimoramento sistêmico do nosso federalismo fiscal, historicamente o mais longevo do constitucionalismo brasileiro.
[1] Para questões teóricas relativas ao federalismo brasileiro, veja: http://www.conjur.com.br/2014-ago-27/consultor-tributario-receita-promover-politicas-coerentes-economia
[2] “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI FEDERAL N. 9.703/98, QUE DISPÕE SOBRE DEPÓSITOS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS DE VALORES REFERENTES A TRIBUTOS E CONTRIBUIÇÕES FEDERAIS. MEDIDA LIMINAR ANTERIORMENTE CONCEDIDA. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 2º, 5º, CAPUT E INCISO LIV, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE. 1. Ausência de violação do princípio da harmonia entre os poderes. A recepção e a administração dos depósitos judiciais não consubstanciariam atividade jurisdicional. 2. Ausência de violação do princípio do devido processo legal. O levantamento dos depósitos judiciais após o trânsito em julgado da decisão não inova no ordenamento. 3. Esta Corte afirmou anteriormente que o ato normativo que dispões sobre depósitos judiciais e extrajudiciais de tributos não caracteriza confisco ou empréstimo compulsório. ADI/MC n. 2.214. 4. O depósito judicial consubstancia faculdade do contribuinte. Não se confunde com o empréstimo compulsório. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.” (ADI 1993/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, j. 14/04/2010, DJ 03/09/2010).
[3] Primeiro Relatório da Comissão Especial para o Aprimoramento do Pacto Federativo – CEAP: http://www19.senado.gov.br/sdleg-getter/public/getDocument?docverid=b8645978-f348-44e0-97d7-d7794a39a72f;1.0
Ao tratar dos desafios do federalismo brasileiro, em conferência realizada em 3 de junho passado no 10° Congresso Nacional da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), em Bento Gonçalves (RS), ressaltei a importância dos avanços que podem advir da ampla reforma fiscal que está em curso em nosso país, tanto dos estados quanto dos municípios, na esperança de que seja igualmente portadora de mais justiça fiscal. A ninguém interessa a ineficiência ou a perda de capacidade financeira dos entes federais, que devem ser dotados de Fiscos competitivos e indutores do desenvolvimento.
Uma realidade inequívoca é que o federalismo fiscal está em evidência[1] e carece de medidas fundamentais para soluções de seus distintos problemas. Nesse empenho, está em curso expressiva reforma tributária e federativa, patrocinada pelo Senado e pelo Ministério da Fazenda, que não pode esperar. Sabe-se que o adiamento de soluções trará prejuízos para todos, pelas múltiplas repercussões da reforma federativa. Daí a urgência da solução da crise política instalada.
A reforma do federalismo fiscal revela-se como tema central do nosso constitucionalismo, cujos desafios não se limitam ao ICMS e sua fratricida “guerra fiscal”. Não obstante, essa é, de longe, a questão mais emergencial.
Nesse sentido, a primeira ação impulsionada pelo Senado veio em 2012, quando foi publicada a Resolução 13/2012 contra a chamada “guerra dos portos”, para modificar a alíquota do ICMS na importação (4%). Essa medida, apesar de inibidora dos incentivos agressivos na importação, guarda dificuldades práticas, tanto pela burocracia quanto pelas diferenças de alíquotas interestaduais fundadas na agregação de “conteúdo nacional”. Na verdade, somente com a uniformização das alíquotas interestaduais do ICMS poder-se-á ver a eliminação integral dessas dificuldades ainda abertas.
Para introduzir a cobrança no destino do ICMS, veio em seguida o Projeto de Resolução (PRS) 1/2013, mediante redução das alíquotas interestaduais (7/5/2013). Em 13 de maio de 2015, o Senado retomou essa discussão, e atualmente encontra-se em debate a mudança do percentual das alíquotas do ICMS, que podem ser unificadas nos estados entre 4% e 7%, progressivamente. Esse projeto segue em debate, mas no que concerne às operações interestaduais do ICMS, recentemente em 16 de maior de 2015, foi promulgada a Emenda Constitucional 87/2015, que reparte entre estados de origem e de destino o ICMS da venda pela internet (a partir de 2019, a alíquota será 100% do estado de destino).
Quanto às dívidas de ICMS decorrentes da glosa de créditos de ICMS no estado de destino, em virtude dos incentivos fiscais reconhecidamente inconstitucionais, em 7 de maio de 2015, o Plenário do Senado aprovou o PLS 130/2014, proposto pela senadora Lúcia Vânia (sem partido/GO), para convalidar os referidos créditos derivados de incentivos fiscais concedidos em modo divergente ao regime do art. 2º da LC 24/75. A reforma não está concluída e depende ainda de proposta do Executivo instituindo fundo de compensação pelas perdas dos estados com a redução das alíquotas interestaduais.
A instituição do referido fundo adveio com a Medida Provisória 683, de 13 de julho de 2015, que o qualifica do seguinte modo: “Artigo 12. Fica instituído o Fundo de Auxílio Financeiro para Convergência de Alíquotas do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – FAC-ICMS, vinculado ao Ministério da Fazenda, com o objetivo de auxiliar financeiramente os Estados e o Distrito Federal durante o período de convergência das alíquotas do ICMS, compreendido como os oito anos seguintes ao efetivo início da convergência”. E o artigo 21 prescreve que a prestação do auxílio financeiro de que trata o art. 12 fica condicionada à: “I – apresentação de relação com a identificação completa de todos os atos relativos a incentivos ou benefícios fiscais ou financeiros cuja concessão não tenha sido submetida à apreciação do Confaz; II – celebração de convênio entre os Estados e o Distrito Federal por meio do qual sejam disciplinados os efeitos dos incentivos e benefícios referidos no inciso I e dos créditos tributários a eles relativos; III – aprovação de resolução do Senado Federal, editada com fundamento no inciso IV do parágrafo 2º do artigo 155 da Constituição, por meio da qual sejam reduzidas as alíquotas do ICMS incidente nas operações e prestações interestaduais; e IV – prestação, pelos estados e pelo Distrito Federal, das informações solicitadas pelo Ministério da Fazenda, necessárias à apuração do valor do auxílio financeiro de que trata esta Medida Provisória”. O fundo não se aplica a quem venha a conceder, prorrogar ou manter incentivo ou benefício fiscal ou financeiro em desacordo com a legislação.
A Medida Provisória 683/2015 criou ainda o “Fundo de Desenvolvimento Regional e Infraestrutura (FDRI), fundo especial de natureza contábil, vinculado ao Ministério da Fazenda, com a finalidade de reduzir as desigualdades socioeconômicas regionais, custear a execução de projetos de investimento em infraestrutura e promover maior integração entre as diversas regiões do país, nos termos do disposto no artigo 3º, caput, inciso III, da Constituição”. Em ambos os casos, condicionados à instituição e arrecadação de multa de regularização cambial tributária relativa a ativos mantidos no exterior ou internalizados.
O Congresso aprovou a Lei Complementar 148/2014, que limitou os juros reais a 4% ao ano (ou Selic, o que for menor), mais correção pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), nos empréstimos da União para estados e municípios. E, como supostamente a União não aplicou a redução dos encargos das dívidas, o PLC 15/2015 foi modificado pela Câmara para autorizar a regra impositiva a partir de 31 de janeiro de 2016, independentemente de regulamentação pelo Poder Executivo. Em vista disso, o artigo 1º, da Lei Complementar 151, de 5 de agosto de 2015, modificou a Lei Complementar 148/2014, para permitir que a União, nos contratos de refinanciamento de dívidas, conceda descontos sobre os saldos devedores dos contratos em valor correspondente à diferença entre o montante do saldo devedor existente em 1º de janeiro de 2013 e aquele apurado utilizando-se a variação acumulada da taxa Selic desde a assinatura dos respectivos contratos, observadas todas as ocorrências que impactaram o saldo devedor no período. E, no parágrafo único, do artigo 4º, que a União terá até 31 de janeiro de 2016 para promover os aditivos contratuais, independentemente de regulamentação, após o que o devedor poderá recolher, a título de pagamento à União, o montante devido, com a aplicação da Lei, ficando a União obrigada a ressarcir ao devedor os valores eventualmente pagos a maior.
Houve também a apresentação de Emenda ao PLC 15/2015, para permitir aos estados e municípios o repasse de depósitos judiciais para suas contas únicas de 70% de todos os depósitos judiciais ou administrativos. Os 30% remanescentes serão mantidos em um fundo de reserva nas instituições financeiras públicas. Trata-se de medida que chega tardiamente, haja vista esse procedimento ser adotado pela União desde 1998, com procedimento já examinado e considerado constitucional pelo STF.
Conforme o artigo 3º, da Lei Complementar 151, de 5 de agosto de 2015, “a instituição financeira oficial transferirá para a conta única do Tesouro do Estado, do Distrito Federal ou do município 70% (setenta por cento) do valor atualizado dos depósitos referentes aos processos judiciais e administrativos de que trata o artigo 2º, bem como os respectivos acessórios”. Ao mesmo tempo, os parágrafos 1º e 3º asseguram que “deverá ser instituído fundo de reserva destinado a garantir a restituição da parcela transferida ao Tesouro” e “cujo saldo não poderá ser inferior a 30% (trinta por cento) do total dos depósitos”, acrescidos da remuneração que lhes foi atribuída. Pelo parágrafo 5º, os valores recolhidos ao fundo de reserva terão remuneração equivalente à taxa Selic para títulos federais. E, para proteger o direito dos jurisdicionados, o artigo 8º dispõe que encerrado o processo litigioso com ganho de causa para o depositante, mediante ordem judicial ou administrativa, o valor do depósito efetuado, acrescido da remuneração que lhe foi originalmente atribuída, será colocado à disposição do depositante pela instituição financeira responsável, no prazo de três dias úteis.
Portanto, com o depósito do valor integral do débito, inclusive dos juros de mora devidos até então, a responsabilidade pela atualização do débito e pelo acréscimo dos juros remuneratórios passa a ser da instituição financeira na qual se encontram os valores. Não há qualquer novidade. É o mesmo regime que se verifica com a Lei 9.703/98, que determinou que os depósitos judiciais devem ser atualizados pela Selic (parárafos 4º, do artigo 39, da Lei 9.250/95), que será a mesma taxa de juros aplicável aos créditos tributários, ao final da controvérsia. Com isso, o depósito implica a perda temporária da disponibilidade de recursos pelo contribuinte e o direito de uso imediato pela Fazenda Pública nas finalidades definidas no artigo 7º, da Lei Complementar 151/2015. Esse repasse do depósito judicial à conta única do Tesouro Nacional foi declarado constitucional pelo STF, no Julgamento da ADI 1933/DF[2].
Em junho de 2013, o Congresso aprovou a Lei Complementar 143/2013, que instituiu novas regras de rateio do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Mais tarde, em 5 de agosto de 2014, veio a Emenda à Constituição 84/2014, que aumentou em 1% o repasse de recursos da União para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Não é demais recordar que, em 24 de fevereiro de 2010, o STF julgou procedentes as ações para declarar a inconstitucionalidade do artigo 2º, da Lei Complementar 62/1989, mantida sua aplicação até 31 de dezembro de 2012. Sobreveio, então, a Lei Complementar 143/2013, que igualmente já se encontra submetida a contestação, pela ADI 5.069, com relatoria do ministro Dias Toffoli.
Espera-se ainda o debate e eventual aprovação dos seguintes projetos, dentre outros de semelhante importância e repercussão sobre o federalismo, a saber:
– PEC 172/2012, do deputado Mendonça Filho (DEM-PE), que veda qualquer transferência, feita pela União, de encargo ou prestação de serviços a estados, Distrito Federal ou municípios sem a previsão dos repasses financeiros necessários ao seu custeio;
– PLS 86/2013, do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), o qual reduz a zero a contribuição para o PIS/Pasep incidente sobre receitas arrecadadas por estados e municípios, inclusive as transferidas pela União;
– PLS 312/2013, de autoria do então senador Pedro Simon, que determina à União a entrega aos estados, em parcelas mensais, do montante equivalente às perdas de arrecadação decorrentes das desonerações de exportações de produtos primários e semielaborados (isenções previstas na Lei Kandir, Lei Complementar 87, de 1996);
– PLS 95/2015, do senador José Serra (PSDB-SP), o qual institui o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento do Saneamento Básico, afasta a obrigação das empresas de saneamento de recolherem PIS/Pasep e de Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins); e
– PLS 375/2015, do senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), que institui o ambicioso programa de Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), para conferir meios para reduzir as desigualdades regionais e fortalecer a coesão social, econômica, política e territorial do Brasil.
Existe uma série de outras medidas e propostas em tramitação, tanto no Ministério da Fazenda quanto no Senado Federal, para o aprofundamento das reformas do pacto federativo brasileiro. Recentemente, a Comissão Especial para o Aprimoramento do Pacto Federativo (CEAPF), instituída no Senado em 26 de maio de 2015, e com duração até 8 de setembro, apresentou seu primeiro relatório para rediscutir o modelo de financiamento de estados e municípios e sistematizar e priorizar as várias propostas em tramitação no Senado Federal sobre o tema[3].
Essas são partes de uma ampla reforma silente do ICMS e do federalismo fiscal brasileiro, mas não são os únicos entraves fiscais enfrentados pelo federalismo brasileiro. Há outros que estão na agenda fiscal.
O primeiro, aparentemente, não tem relação com estados e municípios. Trata-se da renovação da Desvinculação de Recursos da União (DRU), pela qual o governo pode transferir até 20% da arrecadação para outras despesas, como o pagamento de dívidas. O Congresso aprovou a PEC 114/2011, que prorrogou a DRU até 31 de dezembro de 2015. O total da desvinculação gira em torno de 70 bilhões. O desafio será a sua renovação. É induvidoso que se a União não obtiver a referida autorização isso trará repercussão negativa para todos, porquanto não disporá de recursos para diversas despesas, inclusive as que podem ser assumidas com a reforma do pacto federativo, acima mencionadas (renovação de contratos, fundos de compensação e outros).
Outro grande desafio é a reforma do sistema de decisão de conflitos, pelo processo administrativo e pela excecução fiscal. Em média, 40% das ações judiciais em curso em todo o país são de natureza tributária. Afora isso, tem-se um passivo total superior a R$ 2,5 trilhões em todo o federalismo. O processo administrativo reclama lei complementar que traga regime uniforme de formalidades e procedimentos em comum. A reforma da lei de execução fiscal igualmente pode ampliar a recuperação de recursos, com maior brevidade e eficiência.
Ao mais, é preciso avançar nos sistemas de fiscalização com mútua assistência entre a União, os estados e municípios, para reduzir a evasão e as fraudes tributárias.
Por todos esses motivos, é muito oportuna a reforma do federalismo fiscal, que não se limita a ser modelo de repartição espacial das unidades federadas, mas carrega consigo a expectativa de servir como cláusula de identidade constitucional. Restabelecer a capacidade financeira dos estados e municípios é uma das mais urgentes demandas do nosso país. Claramente, muito se queda dependente de decisões políticas, mas é algo que não pode esperar e reclama compromisso de todos.
Dentre todos, o maior desafio consiste em criar condições para a retomada do crescimento econômico, fomentar o desenvolvimento e ampliar a capacidade de financiamento das administrações de estados e municípios, dos investimentos em infraestrutura, bem como dos recursos destinados à educação, à saúde e às mais variadas políticas públicas regionais. Contudo, esse processo de reformas não pode esquecer-se dos contribuintes, das melhorias do sistema tributário para permitir a suportabilidade da carga tributária, a simplificação na arrecadação dos tributos e no equilíbrio entre todos, para eliminar hipóteses de vantagens indevidas ou excessivo de tributos sobre alguns. No Estado Democrático de Direito, não há sistema tributário eficiente sem justiça fiscal.
Para avaliar essas e outras alterações normativas, neste semestre ministraremos nos cursos de doutorado e mestrado da Faculdade de Direito da USP a disciplina Federalismo Fiscal, juntamente com o professor Fernando Facury Scaff, para promover uma ampla reflexão sobre a respectiva acomodação ao nosso modelo constitucional. A universidade deve ter o papel da crítica e compromisso permanente com a construção de medidas de transformação da sociedade e do Estado. E, passados mais de 25 anos de vigência da Constituição de 1988, é chegada a hora do aprimoramento sistêmico do nosso federalismo fiscal, historicamente o mais longevo do constitucionalismo brasileiro.
[1] Para questões teóricas relativas ao federalismo brasileiro, veja: http://www.conjur.com.br/2014-ago-27/consultor-tributario-receita-promover-politicas-coerentes-economia
[2] “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI FEDERAL N. 9.703/98, QUE DISPÕE SOBRE DEPÓSITOS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS DE VALORES REFERENTES A TRIBUTOS E CONTRIBUIÇÕES FEDERAIS. MEDIDA LIMINAR ANTERIORMENTE CONCEDIDA. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 2º, 5º, CAPUT E INCISO LIV, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE. 1. Ausência de violação do princípio da harmonia entre os poderes. A recepção e a administração dos depósitos judiciais não consubstanciariam atividade jurisdicional. 2. Ausência de violação do princípio do devido processo legal. O levantamento dos depósitos judiciais após o trânsito em julgado da decisão não inova no ordenamento. 3. Esta Corte afirmou anteriormente que o ato normativo que dispões sobre depósitos judiciais e extrajudiciais de tributos não caracteriza confisco ou empréstimo compulsório. ADI/MC n. 2.214. 4. O depósito judicial consubstancia faculdade do contribuinte. Não se confunde com o empréstimo compulsório. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.” (ADI 1993/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, j. 14/04/2010, DJ 03/09/2010).
[3] Primeiro Relatório da Comissão Especial para o Aprimoramento do Pacto Federativo – CEAP: http://www19.senado.gov.br/sdleg-getter/public/getDocument?docverid=b8645978-f348-44e0-97d7-d7794a39a72f;
FIESP: As Alternativas Legais Para as Empresas Enfrentarem a Crise Econômica
O Professor Heleno Torres participou da mesa de debates organizada pelo “Grupo de Estudos de Direito Empresarial e Regulatório” da Fiesp/Ciesp (GEDEMP), no dia 28 de agosto de 2015, que teve como tema central as alternativas legais para as empresas enfrentarem a crise econômica.
O Tema da palestra foi “Alternativas legais para o enfrentamento da crise econômica”.
O Professor Heleno Torres recebe Título de Cidadão Paraibano
No dia 29 de outubro de 2013, em João Pessoa – PB, foi aprovado o Projeto de Lei nº 1.617/2013, de autoria da Deputada Estadual Daniella Ribeiro, que concedeu o Título Honorífico de Cidadão Paraibano ao Professor Heleno Torres.
A cerimônia de outorga do título aconteceu no dia 09 de outubro de 2015, às 10h30, na Assembleia Legislativa da Paraíba.
Concede Título Honorífico de Cidadão Paraibano ao Tributarista Doutor Heleno Taveira Torres.
Brasil inova ao aderir às sofisticadas práticas do sistema do Fisco Global
Na semana passada, o Brasil deu mais um passo decisivo no seu fundamental processo de incorporação das medidas de combate à fraude fiscal internacional, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Trata-se da adesão ao Programa Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA), um dos mais importantes atos da visita aos EUA, apesar da pouca difusão, que permitirá aos EUA enviar ao Brasil, de forma espontânea e automática, todas as informações relativas às contas correntes e situações patrimoniais de brasileiros disponíveis no sistema financeiro americano.
E já estão assinados outros dois tratados ao lado dos membros do Global Forum, da OCDE e do G20: a Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Fiscal, à qual o Brasil aderiu em 2011, para trocas automáticas ou a pedido de informações fiscais com os 128 países membros (pendente de aprovação no Congresso Nacional) e a Convenção Automátic Exchange of Financial Information in Tax Matters (AEOI), para trocas de informações fiscais sobre contas bancárias, aberta para adesões no encontro do G20 do ano passado, igualmente firmada pelo Brasil e ainda em tramitação na Casa Civil. Afora isso, o Brasil é cooperante do Programa BEPS – Base Erosion and Profit Shifting (OECD). Com essas medidas, o Brasil encontra-se totalmente integrado às ações mais sofisticadas do novo paradigma da tributação, que é o “Fisco global”.
Com essas medidas, o isolamento fiscal das nações, encasteladas em suas soberanias intransponíveis, chegou ao fim. Mais uma “cortina de ferro” que o mundo assiste à sua queda. Em tempos passados, como se sabe, os ordenamentos caracterizavam-se pela territorialidade das Administrações dos Estados, até por conta da escassa relevância da atividade econômica com amplitude internacional. Sequer a homologação das sentenças estrangeiras de execuções fiscais e a concessão às cartas rogatórias do exequatur em matéria tributária eram admitidas.[1]
Surge, assim, o mais novo paradigma do Direito Tributário, o “Fisco Global”, pelo rompimento com a dogmática tradicional da soberania, ao se autorizar a realização de fiscalizações, notificações ou cobrança do crédito tributário em estados estrangeiros.
Devido ao aumento da atividade econômica em escala mundial, a expansão da complexidade das legislações fiscais nacionais, problemas políticos ou de ordem econômica, incrementaram-se os fenômenos de evasão e de planejamentos internacionais agressivos, afora a chamada “concorrência fiscal danosa”.
Esta reação começou com o combate aos planejamentos tributários mediante o uso de “paraísos fiscais” (tax havens), como se vê do Relatório OCDE Harmful Tax Competition – an Emerging Global Issue, de 1998, que estimulava a introdução de leis internas de controle. Na sequência, a OCDE contribuiu para o aprimoramento das normas antielusivas (gerais e específicas) e a assinatura de convenções bilaterais com os “paraísos fiscais”, sob o Modelo Agreement on Exchange of Information on Tax Matters (em geral, na forma de Tax Information Exchange Agreement – TIEA), ao tempo do surgimento do Global Forum, por volta do ano 2000. E, mais recentemente, chega-se à mútua assistência com trocas automáticas de informações fiscais e financeiras, por convenções multilaterais, com intensa cooperação institucional, a exemplo do FATCA (EUA), da OECD com o BEPS (2013) e do Global Forum, que é a reunião informal de 128 Países (OCDE, G20 e outros, incluídos “paraísos fiscais”).
O FATCA americano é um sofisticado sistema de controle fiscal que exige o fornecimento de informações, por instituições financeiras, das contas de correntistas nacionais ou residentes do outro País signatário, para os fins de trocas espontâneas, automáticas ou a pedido. As instituições financeiras, nacionais ou estrangeiras, que não cooperarem ou cumprirem as regras de fornecimento de informações corretas serão oneradas em 30% sobre o montante integral de quaisquer transações financeiras realizadas nos EUA. Desde que foi aprovado, em 18 de março de 2010, já foram firmados 58 acordos no Modelo IGA 1 e 7 no Modelo IGA 2.
No Brasil, o Congresso Nacional aprovou a adesão ao FATCA pelo Decreto Legislativo 146, de 26 de junho de 2015, cujo acordo foi firmado em 23 de setembro de 2014, e, após a adesão formal, viu-se regulamentado pela SRFB, no dia 3 de julho passado, pela Instrução Normativa 1571/2015. A primeira troca de informações encontra-se prevista para setembro de 2015.
Importante recordar que o Brasil, desde 2013, já mantinha em vigor um acordo para intercâmbio de informações tributárias (TIEA), mas que agora se vê aumentado nas suas possibilidades.
Segundo a IN 1571/2015, as instituições financeiras brasileiras designadas no artigo 4º tornam-se obrigadas a prestar informações de cidadãos ou empresas americanos à Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), pela Declaração “e-Financeira”, na soma de arquivos digitais referentes a cadastro, abertura, fechamento e auxiliares, e pelo módulo de operações financeiras. Em seguida, a SRFB transferirá os dados ao Internal Revenue Service (IRS), que se compromete a fazer o mesmo com as informações relativas a contas bancárias de brasileiros que se encontrem disponíveis nos EUA.
Ao lado da convenção do FATCA, tem-se ainda a importantíssima Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Fiscal (Multilateral Agreement on Mutual Administrative Assistance in Tax Matters – OECD, de 2011, que já foi assinada por 66 países do G-20, da OCDE e Global Forum, e encontra-se em tramitação no Congresso Nacional (Mensagem 270, de 4 de setembro de 2014), no aguardo de aprovação. Esta Convenção opera com troca automática de informações tributárias e tem o propósito de combater a evasão fiscal internacional e a recuperação de bases tributáveis, nas suas múltiplas possibilidades (BEPS) [2].
Em 21 de julho de 2014, a OCDE publicou a proposta de convenção Automatic Exchange of Financial Information in Tax Matters (AEOI). Esta Convenção, aprovada na Reunião do G-20 de 2014, na Austrália, e que teve adesão imediata do Brasil, adotará o padrão Common Reporting Standard, à semelhança do FATCA, para o intercâmbio automático de informação financeira entre os (atualmente) 128 países do Global Forum, obtidas das instituições financeiras residentes em cada País e enviadas aos países de residência dos correntistas ou proprietários de fundos e outros. A implementação da Convenção AEOI dar-se-á por etapas: 58 jurisdições já estão previstas para 2017 e 36 em 2018. O Brasil obriga-se a promover a troca de informações a partir de janeiro de 2018, com dados financeiros de 2016 e 2017.
O novo paradigma do fisco global tem o propósito de recompor a base de tributação nacional, o que permitirá o aumento de arrecadação. Quanto à autorização constitucional para firmar acordos dessa natureza, temos diversos dispositivos de direito interno.
A partir da Lei Complementar 104, de 10 de janeiro de 2001, o artigo 199 do Código Tributário Nacional recebeu nova redação, com adição do seu parágrafo único, a saber: A Fazenda Pública da União poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos. E para garantir maior segurança jurídica para os contribuintes e terceiros, dispõe o artigo 198: Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. Trata-se de valioso limite material para o tratamento das informações confidenciais, a impor responsabilidade administrativa aos agentes da Administração. O modo de tratamento das informações viu-se definido no parágrafo 2º, do artigo 198, ao prever que: “o intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo”.
Para atualização do CTN, sugere-se como parâmetro as disposições (artigos 101 a 110) sobre trocas de informações do Modelo de Código Tributário do Centro Interamericano de Administraciones Tributarias (CIAT), aprovado em maio de 2015.
O Fisco global decreta o fim do sigilo bancário? Certamente que não.
Voltemos nossas vistas ao controle de contas bancárias. Uma pessoa pode ter recursos no exterior sob uma das seguintes situações: 1) com ativos provenientes de fontes lícitas e declarados à Receita Federal e ao Banco Central; 2) com ativos provenientes de fontes lícitas, mas não declarados; ou 3) com ativos oriundos de fontes ilícitas.
Para o contribuinte que tenha seus recursos e ativos regularmente declarados (hipótese 1), não importa a localização ou nacionalidade, todos os direitos fundamentais o amparam e o Estado tem o dever de proteger a reserva do sigilo fiscal e bancário. Para o contribuinte cooperante e que tenha seus recursos declarados, impõe-se, com mais razão, a garantia de segurança jurídica internacional, com previsibilidade perene e desprovida de qualquer espécie de discriminação.
De certo, somente pode-se admitir o controle de contas bancárias no exterior segundo os limites da Constituição, porquanto os direitos constitucionais prevalecem sobre os tratados em vigor. No caso brasileiro, será imprescindível observar o disposto nos artigo 5º, inciso X, da Constituição; artigos 3º e 6º da Lei Complementar 105/2001.
Porém, não é juridicamente válido, tampouco moralmente aceitável, que alguém postule proteção constitucional ao sigilo bancário para ocultar recursos não declarados da tributação. Neste caso, tem-se que diferençar, por dever de justiça, a propriedade de recursos de fontes “lícitas”, mas não declarados (os quais incorrem nos delitos de evasão de divisas, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro unicamente pela ausência de declaração), dos casos de posse ou manutenção de ativos sabidamente de origem “ilícita” (como corrupção, tráfico de drogas, exploração de prostituição e outros), além dos mesmos delitos acima designados.
Diante dessa separação, a maioria dos países que criaram e incorporaram estes regimes, ao mesmo tempo, promoveram medidas de voluntary disclosure para regularização do passado aplicável àqueles contribuintes com recursos no exterior de fontes “lícitas”, vedadas as hipóteses originárias de crimes de corrupção, tráficos e outros tipos que não seja a “lavagem de dinheiro” decorrente unicamente da “evasão de divisas” e da “sonegação fiscal”.
Não se pode desconsiderar o cabimento de uma espécie de “arrependimento eficaz” para todos aqueles que possuem recursos no exterior de origem lícita e não declarados. Foi assim que os EUA, após a crise econômica de 2008, aprovou o Offshore Voluntary Disclosure Program (2009), quando da implementação do FATCA, com o objetivo de regularizar a situação dos contribuintes, com anistia de ordem criminal relacionada à evasão de divisas e evasão fiscal, mediante substituição da sanção criminal por uma sanção patrimonial em valor relevante.
Vale aqui um esclarecimento. Não se deve confundir “regularização” com “repatriamento”. Neste, as nações pretendiam recuperar as riquezas dispersas em outros países. Geralmente eram autorizados com alíquotas reduzidas, para estimular o retorno dos recursos, como exemplo: Bélgica – 2004, alíquotas de 6% a 9%; Rússia – 2006, alíquota de 13% (de 2007 a 2008); Grécia – 2004, alíquota de 3%; Portugal – 2005, alíquotas de 2,5% a 5%. Na atualidade, no cenário de “voluntary disclosure”, correto falar-se em “regularização”, com regimes normais de tributação ou de tributos reduzidos com ou sem multas, como exemplo: Alemanha – 2004 a 2005, alíquotas de 25% a 35%; México – 2005 a 2006, alíquota de 25% (sem multas); Canadá – 2005, alíquotas normais, com juros e multas; Estados Unidos – 2003 e 2009, tributos com juros e multas; Itália – 2015, alíquotas variadas, de 1% a 43%; Reino Unido – 2007, alíquotas normais sobre o principal e juros (atualizados), com redução das multas a 10%; Espanha – 2012, com alíquotas normais dos impostos; Índia – 2015, com alíquotas de 30%.
Pode parecer estranho, mas o brasileiro que possui recursos não declarados no exterior (no caso de origem lícita), por mais que queira, não tem como “regularizar” os ativos no exterior sem sujeitar-se às sanções penais. Não se aplica a extinção de punibilidade com a denúncia espontânea (artigo 138, do CTN) ou pagamento antes de qualquer denúncia, pois está afirmado em jurisprudência consolidada que o crime de sonegação não absorve o crime de evasão de divisas.
O desafio reside, então, em decidir o que fazer com tais recursos não declarados (de origem lícita). Admitir a regularização? Se sim, como? E como aprimorar os sistemas de controle e punitivos para os casos futuros? A decisão reserva-se ao Parlamento e é uma típica tragic choice (Calabresi e Bobbit).
Como está difundido na literatura financeira, até 2010, o Brasil era o 4º país no ranking mundial de ativos no exterior (somente precedido por China, Rússia e Coreia do Sul), com US$ 520 bilhões não declarados, em contas de mais de 200 mil brasileiros, segundo a Tax Justice Network.
Os programas de voluntary disclosure têm sido exitosos em todos os ordenamentos, ao tempo que privilegiam a transparência, a moralidade e o “compliance” do contribuinte. Eles propiciam oportunidade para recompor a base de tributação do país para os anos seguintes, bem como permitem o ingresso de recursos para a economia formal e ampliam a arrecadação. E como só têm aplicação a ativos de origem lícita, não se abre para favorecer titulares de recursos ilícitos.
E não se pode ver na “anistia” das sanções penais qualquer “privilégio”, ao tempo que se substitui por cobranças de multa (como uma espécie de sanção mais benigna), até porque o CTN admite, por lei ordinária, a “remissão” e a “anistia” (artigos 156, IV, 172, 175, II, e 180 a 182) de tributos e multas.
Para melhor clareza, as declarações junto à autoridade monetária, o Banco Central, são exigidas conforme o Decreto-lei 1.060, de 21 de outubro de 1969 e a Medida Provisória 2.224, de 4 de setembro de 2001, na forma da Resolução Bacen 3.854, de 27 de maio de 2010, que prescreve no artigo 1º: “As pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no País, assim conceituadas na legislação tributária, devem prestar ao Banco Central do Brasil, na forma, limites e condições estabelecidos nesta Resolução, declaração de bens e valores que possuírem fora do território nacional.” E, pelo artigo 2º: “A declaração de que trata o artigo 1º, inclusive suas retificações, deve ser prestada anualmente, por meio eletrônico, na data-base de 31 de dezembro de cada ano, quando os bens e valores do declarante no exterior totalizarem, nessa data, quantia igual ou superior a US$100.000,00 (cem mil dólares dos Estados Unidos da América), ou seu equivalente em outras moedas.”
Quando esta declaração não é prestada, tem-se o crime de Evasão de Divisas, como previsto no artigo 22 da Lei 7.492, de 16 de junho de 1986, que prescreve: “Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País: Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior (1) ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.(2)”
Cuida-se, a evasão de divisas, de crime formal e continuado, conforme o artigo 71 do Código Penal, e a consumação ocorre no momento em que se esgotar, na forma da legislação em vigor, o prazo para declarar as informações sobre depósitos mantidos no exterior (1), ou no momento em que a autoridade toma conhecimento da “manutenção” de recursos no exterior (2). Em vista disso, a partir da descoberta, contam-se 12 anos para a prescrição Penal, nos termos do artigo 109 do CP.
No caso do crime de sonegação fiscal, tem-se o artigo 1.º, I, da Lei 8.137/90, que rege o crime contra a ordem tributária: “Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;”. Neste caso, trata-se de delito material, definido pelo resultado “supressão” ou “redução” da obrigação tributária principal.
Diante desses esclarecimentos, verifica-se que qualquer regime de regularização é o meio mais adequado para identificar riquezas que se encontram fora da matriz de tributação brasileira, com pagamento de valor relevante que permita contribuir para as dificuldades ou necessidades do País, inclusive com repartição para estados e municípios. E, a partir deste, dar início a um processo de rigoroso controle de disponibilidades de recursos no exterior.
Para a implementação eficiente das convenções de trocas de informações em matéria tributária e de contas bancárias no exterior, questões administrativas, porém, devem ser adotadas. De plano, deve-se promover a criação de unidade responsável pela troca de informações com número de funcionários compatível e base de dados adequada para suportar as trocas de informações a pedido, espontâneas e automáticas. Ademais, deve-se procurar intensificar a atuação conjunta entre a SRFB, o Bacen e o COAF, com simplificação e maior convergência de informações em escala global.
E como medidas de cooperação intensificaram-se nos últimos tempos, sem que isso fosse acompanhado de um estudo rigoroso sobre os limites materiais e as implicações com afetações a direitos fundamentais, pode-se verificar uma crise das constituições nacionais como fontes exclusivas de proteção dos direitos e liberdades fundamentais. Que a Administração Tributária deva guardar segredo das informações que recebe, é um dever que se impõe, o problema é o grau de respeitabilidade a este dever e sua relação com as normas internas de confidencialidade (confidentiality law), que são distintas e cambiantes em cada jurisdição. Assim, o grau de proteção conferido pelo Estado requerido pode diferir daquele que é aplicado pelo Estado requerente. Desse modo, os tratados de direitos e liberdades fundamentais ganharão maior importância e aplicabilidade, para os efeitos de proteção dos contribuintes.
O novo paradigma do “Fisco Global” desafia a todos e cobra, como a Esfinge, “decifra-me ou te devoro”. Portanto, os próximos anos serão não apenas de aprendizado, mas exigirão compreensão e habilidade institucional para uma necessária “justiça de transição”, entre as situações do passado e os novos regimes de controle, com transparência e mais rigor. O certo é que o Direito Tributário como dantes se conhecia chegou ao fim.
[1] Cf. SACCHETTO, Claudio. Tutela all’estero dei crediti tributari dello Stato, Padova: CEDAM, 1978.
[2] Cf. OECD. Standard for Automatic Exchange of Financial Account Information in Tax Matters. Paris: OECD Publishing, 2014. http://dx.doi.org/10.1787/9789264216525-en
Com essas medidas, o isolamento fiscal das nações, encasteladas em suas soberanias intransponíveis, chegou ao fim. Mais uma “cortina de ferro” que o mundo assiste à sua queda. Em tempos passados, como se sabe, os ordenamentos caracterizavam-se pela territorialidade das Administrações dos Estados, até por conta da escassa relevância da atividade econômica com amplitude internacional. Sequer a homologação das sentenças estrangeiras de execuções fiscais e a concessão às cartas rogatórias do exequatur em matéria tributária eram admitidas.[1]
Surge, assim, o mais novo paradigma do Direito Tributário, o “Fisco Global”, pelo rompimento com a dogmática tradicional da soberania, ao se autorizar a realização de fiscalizações, notificações ou cobrança do crédito tributário em estados estrangeiros.
Devido ao aumento da atividade econômica em escala mundial, a expansão da complexidade das legislações fiscais nacionais, problemas políticos ou de ordem econômica, incrementaram-se os fenômenos de evasão e de planejamentos internacionais agressivos, afora a chamada “concorrência fiscal danosa”.
Esta reação começou com o combate aos planejamentos tributários mediante o uso de “paraísos fiscais” (tax havens), como se vê do Relatório OCDE Harmful Tax Competition – an Emerging Global Issue, de 1998, que estimulava a introdução de leis internas de controle. Na sequência, a OCDE contribuiu para o aprimoramento das normas antielusivas (gerais e específicas) e a assinatura de convenções bilaterais com os “paraísos fiscais”, sob o Modelo Agreement on Exchange of Information on Tax Matters (em geral, na forma de Tax Information Exchange Agreement – TIEA), ao tempo do surgimento do Global Forum, por volta do ano 2000. E, mais recentemente, chega-se à mútua assistência com trocas automáticas de informações fiscais e financeiras, por convenções multilaterais, com intensa cooperação institucional, a exemplo do FATCA (EUA), da OECD com o BEPS (2013) e do Global Forum, que é a reunião informal de 128 Países (OCDE, G20 e outros, incluídos “paraísos fiscais”).
O FATCA americano é um sofisticado sistema de controle fiscal que exige o fornecimento de informações, por instituições financeiras, das contas de correntistas nacionais ou residentes do outro País signatário, para os fins de trocas espontâneas, automáticas ou a pedido. As instituições financeiras, nacionais ou estrangeiras, que não cooperarem ou cumprirem as regras de fornecimento de informações corretas serão oneradas em 30% sobre o montante integral de quaisquer transações financeiras realizadas nos EUA. Desde que foi aprovado, em 18 de março de 2010, já foram firmados 58 acordos no Modelo IGA 1 e 7 no Modelo IGA 2.
No Brasil, o Congresso Nacional aprovou a adesão ao FATCA pelo Decreto Legislativo 146, de 26 de junho de 2015, cujo acordo foi firmado em 23 de setembro de 2014, e, após a adesão formal, viu-se regulamentado pela SRFB, no dia 3 de julho passado, pela Instrução Normativa 1571/2015. A primeira troca de informações encontra-se prevista para setembro de 2015.
Importante recordar que o Brasil, desde 2013, já mantinha em vigor um acordo para intercâmbio de informações tributárias (TIEA), mas que agora se vê aumentado nas suas possibilidades.
Segundo a IN 1571/2015, as instituições financeiras brasileiras designadas no artigo 4º tornam-se obrigadas a prestar informações de cidadãos ou empresas americanos à Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), pela Declaração “e-Financeira”, na soma de arquivos digitais referentes a cadastro, abertura, fechamento e auxiliares, e pelo módulo de operações financeiras. Em seguida, a SRFB transferirá os dados ao Internal Revenue Service (IRS), que se compromete a fazer o mesmo com as informações relativas a contas bancárias de brasileiros que se encontrem disponíveis nos EUA.
Ao lado da convenção do FATCA, tem-se ainda a importantíssima Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Fiscal (Multilateral Agreement on Mutual Administrative Assistance in Tax Matters – OECD, de 2011, que já foi assinada por 66 países do G-20, da OCDE e Global Forum, e encontra-se em tramitação no Congresso Nacional (Mensagem 270, de 4 de setembro de 2014), no aguardo de aprovação. Esta Convenção opera com troca automática de informações tributárias e tem o propósito de combater a evasão fiscal internacional e a recuperação de bases tributáveis, nas suas múltiplas possibilidades (BEPS) [2].
Em 21 de julho de 2014, a OCDE publicou a proposta de convenção Automatic Exchange of Financial Information in Tax Matters (AEOI). Esta Convenção, aprovada na Reunião do G-20 de 2014, na Austrália, e que teve adesão imediata do Brasil, adotará o padrão Common Reporting Standard, à semelhança do FATCA, para o intercâmbio automático de informação financeira entre os (atualmente) 128 países do Global Forum, obtidas das instituições financeiras residentes em cada País e enviadas aos países de residência dos correntistas ou proprietários de fundos e outros. A implementação da Convenção AEOI dar-se-á por etapas: 58 jurisdições já estão previstas para 2017 e 36 em 2018. O Brasil obriga-se a promover a troca de informações a partir de janeiro de 2018, com dados financeiros de 2016 e 2017.
O novo paradigma do fisco global tem o propósito de recompor a base de tributação nacional, o que permitirá o aumento de arrecadação. Quanto à autorização constitucional para firmar acordos dessa natureza, temos diversos dispositivos de direito interno.
A partir da Lei Complementar 104, de 10 de janeiro de 2001, o artigo 199 do Código Tributário Nacional recebeu nova redação, com adição do seu parágrafo único, a saber: A Fazenda Pública da União poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos. E para garantir maior segurança jurídica para os contribuintes e terceiros, dispõe o artigo 198: Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. Trata-se de valioso limite material para o tratamento das informações confidenciais, a impor responsabilidade administrativa aos agentes da Administração. O modo de tratamento das informações viu-se definido no parágrafo 2º, do artigo 198, ao prever que: “o intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo”.
Para atualização do CTN, sugere-se como parâmetro as disposições (artigos 101 a 110) sobre trocas de informações do Modelo de Código Tributário do Centro Interamericano de Administraciones Tributarias (CIAT), aprovado em maio de 2015.
O Fisco global decreta o fim do sigilo bancário? Certamente que não.
Voltemos nossas vistas ao controle de contas bancárias. Uma pessoa pode ter recursos no exterior sob uma das seguintes situações: 1) com ativos provenientes de fontes lícitas e declarados à Receita Federal e ao Banco Central; 2) com ativos provenientes de fontes lícitas, mas não declarados; ou 3) com ativos oriundos de fontes ilícitas.
Para o contribuinte que tenha seus recursos e ativos regularmente declarados (hipótese 1), não importa a localização ou nacionalidade, todos os direitos fundamentais o amparam e o Estado tem o dever de proteger a reserva do sigilo fiscal e bancário. Para o contribuinte cooperante e que tenha seus recursos declarados, impõe-se, com mais razão, a garantia de segurança jurídica internacional, com previsibilidade perene e desprovida de qualquer espécie de discriminação.
De certo, somente pode-se admitir o controle de contas bancárias no exterior segundo os limites da Constituição, porquanto os direitos constitucionais prevalecem sobre os tratados em vigor. No caso brasileiro, será imprescindível observar o disposto nos artigo 5º, inciso X, da Constituição; artigos 3º e 6º da Lei Complementar 105/2001.
Porém, não é juridicamente válido, tampouco moralmente aceitável, que alguém postule proteção constitucional ao sigilo bancário para ocultar recursos não declarados da tributação. Neste caso, tem-se que diferençar, por dever de justiça, a propriedade de recursos de fontes “lícitas”, mas não declarados (os quais incorrem nos delitos de evasão de divisas, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro unicamente pela ausência de declaração), dos casos de posse ou manutenção de ativos sabidamente de origem “ilícita” (como corrupção, tráfico de drogas, exploração de prostituição e outros), além dos mesmos delitos acima designados.
Diante dessa separação, a maioria dos países que criaram e incorporaram estes regimes, ao mesmo tempo, promoveram medidas de voluntary disclosure para regularização do passado aplicável àqueles contribuintes com recursos no exterior de fontes “lícitas”, vedadas as hipóteses originárias de crimes de corrupção, tráficos e outros tipos que não seja a “lavagem de dinheiro” decorrente unicamente da “evasão de divisas” e da “sonegação fiscal”.
Não se pode desconsiderar o cabimento de uma espécie de “arrependimento eficaz” para todos aqueles que possuem recursos no exterior de origem lícita e não declarados. Foi assim que os EUA, após a crise econômica de 2008, aprovou o Offshore Voluntary Disclosure Program (2009), quando da implementação do FATCA, com o objetivo de regularizar a situação dos contribuintes, com anistia de ordem criminal relacionada à evasão de divisas e evasão fiscal, mediante substituição da sanção criminal por uma sanção patrimonial em valor relevante.
Vale aqui um esclarecimento. Não se deve confundir “regularização” com “repatriamento”. Neste, as nações pretendiam recuperar as riquezas dispersas em outros países. Geralmente eram autorizados com alíquotas reduzidas, para estimular o retorno dos recursos, como exemplo: Bélgica – 2004, alíquotas de 6% a 9%; Rússia – 2006, alíquota de 13% (de 2007 a 2008); Grécia – 2004, alíquota de 3%; Portugal – 2005, alíquotas de 2,5% a 5%. Na atualidade, no cenário de “voluntary disclosure”, correto falar-se em “regularização”, com regimes normais de tributação ou de tributos reduzidos com ou sem multas, como exemplo: Alemanha – 2004 a 2005, alíquotas de 25% a 35%; México – 2005 a 2006, alíquota de 25% (sem multas); Canadá – 2005, alíquotas normais, com juros e multas; Estados Unidos – 2003 e 2009, tributos com juros e multas; Itália – 2015, alíquotas variadas, de 1% a 43%; Reino Unido – 2007, alíquotas normais sobre o principal e juros (atualizados), com redução das multas a 10%; Espanha – 2012, com alíquotas normais dos impostos; Índia – 2015, com alíquotas de 30%.
Pode parecer estranho, mas o brasileiro que possui recursos não declarados no exterior (no caso de origem lícita), por mais que queira, não tem como “regularizar” os ativos no exterior sem sujeitar-se às sanções penais. Não se aplica a extinção de punibilidade com a denúncia espontânea (artigo 138, do CTN) ou pagamento antes de qualquer denúncia, pois está afirmado em jurisprudência consolidada que o crime de sonegação não absorve o crime de evasão de divisas.
O desafio reside, então, em decidir o que fazer com tais recursos não declarados (de origem lícita). Admitir a regularização? Se sim, como? E como aprimorar os sistemas de controle e punitivos para os casos futuros? A decisão reserva-se ao Parlamento e é uma típica tragic choice (Calabresi e Bobbit).
Como está difundido na literatura financeira, até 2010, o Brasil era o 4º país no ranking mundial de ativos no exterior (somente precedido por China, Rússia e Coreia do Sul), com US$ 520 bilhões não declarados, em contas de mais de 200 mil brasileiros, segundo a Tax Justice Network.
Os programas de voluntary disclosure têm sido exitosos em todos os ordenamentos, ao tempo que privilegiam a transparência, a moralidade e o “compliance” do contribuinte. Eles propiciam oportunidade para recompor a base de tributação do país para os anos seguintes, bem como permitem o ingresso de recursos para a economia formal e ampliam a arrecadação. E como só têm aplicação a ativos de origem lícita, não se abre para favorecer titulares de recursos ilícitos.
E não se pode ver na “anistia” das sanções penais qualquer “privilégio”, ao tempo que se substitui por cobranças de multa (como uma espécie de sanção mais benigna), até porque o CTN admite, por lei ordinária, a “remissão” e a “anistia” (artigos 156, IV, 172, 175, II, e 180 a 182) de tributos e multas.
Para melhor clareza, as declarações junto à autoridade monetária, o Banco Central, são exigidas conforme o Decreto-lei 1.060, de 21 de outubro de 1969 e a Medida Provisória 2.224, de 4 de setembro de 2001, na forma da Resolução Bacen 3.854, de 27 de maio de 2010, que prescreve no artigo 1º: “As pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no País, assim conceituadas na legislação tributária, devem prestar ao Banco Central do Brasil, na forma, limites e condições estabelecidos nesta Resolução, declaração de bens e valores que possuírem fora do território nacional.” E, pelo artigo 2º: “A declaração de que trata o artigo 1º, inclusive suas retificações, deve ser prestada anualmente, por meio eletrônico, na data-base de 31 de dezembro de cada ano, quando os bens e valores do declarante no exterior totalizarem, nessa data, quantia igual ou superior a US$100.000,00 (cem mil dólares dos Estados Unidos da América), ou seu equivalente em outras moedas.”
Quando esta declaração não é prestada, tem-se o crime de Evasão de Divisas, como previsto no artigo 22 da Lei 7.492, de 16 de junho de 1986, que prescreve: “Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País: Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior (1) ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.(2)”
Cuida-se, a evasão de divisas, de crime formal e continuado, conforme o artigo 71 do Código Penal, e a consumação ocorre no momento em que se esgotar, na forma da legislação em vigor, o prazo para declarar as informações sobre depósitos mantidos no exterior (1), ou no momento em que a autoridade toma conhecimento da “manutenção” de recursos no exterior (2). Em vista disso, a partir da descoberta, contam-se 12 anos para a prescrição Penal, nos termos do artigo 109 do CP.
No caso do crime de sonegação fiscal, tem-se o artigo 1.º, I, da Lei 8.137/90, que rege o crime contra a ordem tributária: “Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;”. Neste caso, trata-se de delito material, definido pelo resultado “supressão” ou “redução” da obrigação tributária principal.
Diante desses esclarecimentos, verifica-se que qualquer regime de regularização é o meio mais adequado para identificar riquezas que se encontram fora da matriz de tributação brasileira, com pagamento de valor relevante que permita contribuir para as dificuldades ou necessidades do País, inclusive com repartição para estados e municípios. E, a partir deste, dar início a um processo de rigoroso controle de disponibilidades de recursos no exterior.
Para a implementação eficiente das convenções de trocas de informações em matéria tributária e de contas bancárias no exterior, questões administrativas, porém, devem ser adotadas. De plano, deve-se promover a criação de unidade responsável pela troca de informações com número de funcionários compatível e base de dados adequada para suportar as trocas de informações a pedido, espontâneas e automáticas. Ademais, deve-se procurar intensificar a atuação conjunta entre a SRFB, o Bacen e o COAF, com simplificação e maior convergência de informações em escala global.
E como medidas de cooperação intensificaram-se nos últimos tempos, sem que isso fosse acompanhado de um estudo rigoroso sobre os limites materiais e as implicações com afetações a direitos fundamentais, pode-se verificar uma crise das constituições nacionais como fontes exclusivas de proteção dos direitos e liberdades fundamentais. Que a Administração Tributária deva guardar segredo das informações que recebe, é um dever que se impõe, o problema é o grau de respeitabilidade a este dever e sua relação com as normas internas de confidencialidade (confidentiality law), que são distintas e cambiantes em cada jurisdição. Assim, o grau de proteção conferido pelo Estado requerido pode diferir daquele que é aplicado pelo Estado requerente. Desse modo, os tratados de direitos e liberdades fundamentais ganharão maior importância e aplicabilidade, para os efeitos de proteção dos contribuintes.
O novo paradigma do “Fisco Global” desafia a todos e cobra, como a Esfinge, “decifra-me ou te devoro”. Portanto, os próximos anos serão não apenas de aprendizado, mas exigirão compreensão e habilidade institucional para uma necessária “justiça de transição”, entre as situações do passado e os novos regimes de controle, com transparência e mais rigor. O certo é que o Direito Tributário como dantes se conhecia chegou ao fim.
[1] Cf. SACCHETTO, Claudio. Tutela all’estero dei crediti tributari dello Stato, Padova: CEDAM, 1978.
[2] Cf. OECD. Standard for Automatic Exchange of Financial Account Information in Tax Matters. Paris: OECD Publishing, 2014. http://dx.doi.org/10.1787/9789264216525-en
XXVIII Jornadas Latinoamericanas de Derecho Tributario
O Professor Heleno Torres participará da XXVIII Jornadas Latino-Americanas de Direito Tributário, evento organizado de maneira conjunta pelo Instituto Latinoamericano de Derecho Tributario (ILADT) e pela Academia Mexicana de Derecho Fiscal (AMDF).
O evento acontecerá nos dias 8 a 13 de novembro de 2015, na Cidade do México.
II Jornadas Comemorativas do 50º Aniversário da Associação Fiscal Portuguesa
O Professor Heleno Torres foi convidado para ser orador nas Jornadas Comemorativas do 50º Aniversário da Associação Fiscal Portuguesa, no dia 22 ao dia 25 de outubro de 2015.
A mesa redonda terá como tema central “As Reformas Fiscais na Lusofonia”, que contará com a participação de representantes de países lusófonos, como por exemplo o Dr. Changa Abobakar de Moçambique e o Dr. Jaime Oliveira de S. Tomé e Príncipe.
O congresso será no Salão Nobre da sede da Associação Fiscal Portuguesa.
O Professor Heleno Torres foi convidado para participar de mesa de debates no II Jornadas Argentino-Brasileiras de Direito e Políticas Públicas
Nos dias 07, 08 e 09 de outubro de 2015, na cidade de Maceió, aconteceram as II Jornadas Argentino-Brasileiras de Direito e Políticas Públicas, uma iniciativa do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura – IBEJI em parceria com o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e outras importantes entidades acadêmicas nacionais e estrangeiras.
O Professor Heleno Torres foi convidado para participar da Mesa de Debates dedicada ao tema “Políticas Públicas: Conceito, Controle e Limites”.
O Professor Heleno Torres participará da Conferência Técnica do CIAT
O Professor Heleno Torres participou da Conferência Técnica de 2015, promovida pelo CIAT (Inter-American Center of Tax Administrations), que teve como tema “La Función de Fiscalización de la Administración Tributaria” (A Função de Fiscalização da Administração Tributária).
A Conferência aconteceu no dia 28 de setembro ao dia 01 de outubro de 2015.
69th Congress of the International Fiscal Association - IFA
O Professor Heleno Torres participou, no dia 30 de agosto ao dia 04 de setembro, do 69th Congress of the International Fiscal Association, que aconteceu na Suiça.
O IFA (International Fiscal Association) foi criado em 1938 na Holanda. É a única organização internacional não setorial e não governamental que lida com problemas fiscais.
Seus objetivos são o estudo e o avanço do direito internacional e comparado, relacionado à finanças públicas, especificamente no direito fiscal e nos aspectos financeiros e econômicos das tributações.
O IFA busca cumprir seus objetivos através do seu Congresso Anual e também de publicações científicas.
O Professor Heleno Torres fez comentários à Cláusula Antielusiva Chilena
O Professor Heleno Torres foi para o Chile no dia 31 de julho, para proferir palestra sobre a nova cláusula antielusiva chilena, que foi aprovada pela Lei nº 20.780, sobre reforma tributária, com a incorporação de alguns artigos no Código Tributário.
A palestra foi ministrada na “Clase Inaugural del Programa de Magister em Derecho Tributario”, na Universidad de Concepción.
Estimados socios y amigos de IFA Chile AG,Hoy tenemos el gusto de contar con la compañía del profesor Heleno Taveiro Torres, quien gentilmente ha accedido a conversar con nosotros, sobre la Cláusula General Antielusión recientemente incorporada a nuestro Código Tributario. El profesor Torres, como estoy seguro todos coincidiremos, es un cadémico que no requiere presentación, y si la hiciéramos, bastaría con la sola lectura de su currículum, para convertir dicha presentación, en una tarea interminable, toda vez que él está repleto de experiencias, cargos, obras y éxitos.
Atendido lo anterior, quisiera hacer esta presentación bajo un enfoque distinto, esto es, no a través de la lectura de un currículum, si no que relatándoles a ustedes cual ha sido mi experiencia en el estudio de la obra del doctor Torres, y cómo ella me ha orientado en la comprensión de un tema tan elusivo como lo es el de la elusión fiscal.
En el año 2008, en ese entonces, en mi calidad de director del IChDT y en su representación, me tocó asistir a las XXIV Jornadas Latinoamericanas de Derecho Tributario realizadas en Venezuela, bajo el patrocinio del ILADT.
El tema no era menor. Se trataba de “la elusión fiscal y los medios para evitarla” cuestión que fue abordada a través de distintos trabajos técnicos y ponencias de aproximadamente 23 profesores provenientes de Italia, España y de todos los países de nuestra américa latina.
Entre ellos, destacó el excelente e iluminador aporte del profesor Torres en su comunicación técnica titulada “Elusión y Planeamiento Tributario: La teoría de la causa del negocio jurídico como límite al control fiscal”, trabajo que se podría decir es la antesala o introducción a su magnífica obra titulada “Derecho Tributario y Derecho Privado. Autonomía privada, simulación y elusión tributaria”, en donde, con una lógica propia del Maestro, nos resalta el importante papel que le corresponde a la causa de los negocios jurídicos en el análisis de la elusión fiscal, recordándonos a su paso, que la ley tributaria opera sobre la realidad del negocio jurídico, y en consecuencia, el deber esencial que debe primar por respetar los principios que rigen a los referidos negocios, al momento de atribuirle consecuencias tributarias.
El tema, como he dicho, no era menor. No lo era entonces y tampoco lo es ahora.
Sin duda alguna, el debate más intenso que suscita el tema de la elusión tributaria, se sitúa en el plano de las medidas para combatirla, y en particular, en la admisión o no de las normas generales antielusivas como herramientas jurídicamente procedentes al interior de nuestro ordenamiento.
Al margen del rechazo que debe suscitar el método de interpretación económica y la analogía, por resultar radicalmente contrarias a las exigencias de tipicidad y seguridad jurídica, la gran cuestión es cómo lograr un adecuado y justo equilibrio entre las legítimas aspiraciones del Estado, de perseguir los actos ilícitamente elusivos, con la necesidad de respetar las exigencias de certeza y reserva legal a que nos exhorta nuestro ordenamiento constitucional.
Estamos por cierto ante una cuestión cuya reflexión y análisis se hace primordial al interior del ordenamiento jurídico, y en particular, al interior del ordenamiento tributario, ordenamiento este último que no debe ser entendido o aplicado con prescindencia de los principios generales orientadores de nuestro derecho, si no que acorde y en sintonía con ellos.
Finalizando, debo reconocer, que hasta antes de la incorporación de la Cláusula General Antielusión a nuestro Código Tributario, yo era de aquellos, que -tal vez con un espíritu preconcebido- compartía la tesis del catedrático español, Sr. José Juan Ferreiro, quien considera que “las cláusulas antielusorias no contribuyen al interés general. Al interés general –según señala él- contribuye la seguridad, la certeza, la claridad del sistema tributario que presta seguridad e impulsa la actividad económica del país. Las cláusulas antielusorias sólo sirven a la inseguridad y a agrandar el círculo de decisiones libres de jueces y funcionarios sobre quién debe y quién no debe pagar un tributo, haciendo caso omiso de que nuestra Constitución reserva tal decisión a la ley y sólo a la ley.”
Sin embargo, y luego de la incorporación de esta cláusula general en la última reforma tributaria, en donde (i) nos encontramos con una norma con contrariedades, incongruencias e inconsistencias que dificultan la interpretación de la misma, con serias deficiencias técnicas y conceptuales que hacen difícil anticipar cómo ella va a poder ser aplicada sin transgredir el principio de reserva legal; (ii) en donde, luego de un análisis exegético de las misma no es posible tener certeza jurídica respecto de la forma en que ella va a ser aplicada por los tribunales; (iii) en donde, en palabras del profesor y querido amigo Sr. Francisco Selamé, “se trata de una norma escrita con dos plumas, con dos plumas totalmente distintas, en donde una pluma escribió un párrafo y la otra pluma escribió otro párrafo; donde no intervinieron dos legisladores que pensaban distinto y que intentaron ponerse de acuerdo en un texto común, si no donde cada uno puso lo que pensaba que debía ponerse en ese texto sin consideración alguna respecto de lo que estaba escribiendo el otro”, ….. mi conclusión es, sin duda alguna, que no puede menos que solidarizarse definitiva y absolutamente con la misma reflexión hecha por el profesor Ferreiro.
En este resistido y tensionado escenario jurídico, quiero dar la bienvenida al doctor Torres, esperanzado en que a través de sus comentarios, pueda una vez más, darnos luces y claridades sobre esta nueva normativa que se ha incorporado a nuestro Derecho.
Profesor … sea usted bienvenido.
Estimados socios y amigos de IFA Chile AG,
Hoy tenemos el gusto de contar con la compañía del profesor Heleno Taveiro Torres, quien gentilmente ha accedido a conversar con nosotros, sobre la Cláusula General Antielusión recientemente incorporada a nuestro Código Tributario. El profesor Torres, como estoy seguro todos coincidiremos, es un académico que no requiere presentación, y si la hiciéramos, bastaría con la sola lectura de su currículum, para convertir dicha presentación, en una tarea interminable, toda vez que él está repleto de experiencias, cargos, obras y éxitos.
Atendido lo anterior, quisiera hacer esta presentación bajo un enfoque distinto, esto es, no a través de la lectura de un currículum, si no que relatándoles a ustedes cual ha sido mi experiencia en el estudio de la obra del doctor Torres, y cómo ella me ha orientado en la comprensión de un tema tan elusivo como lo es el de la elusión fiscal.
En el año 2008, en ese entonces, en mi calidad de director del IChDT y en su representación, me tocó asistir a las XXIV Jornadas Latinoamericanas de Derecho Tributario realizadas en Venezuela, bajo el patrocinio del ILADT.
El tema no era menor. Se trataba de “la elusión fiscal y los medios para evitarla” cuestión que fue abordada a través de distintos trabajos técnicos y ponencias de aproximadamente 23 profesores provenientes de Italia, España y de todos los países de nuestra américa latina.
Entre ellos, destacó el excelente e iluminador aporte del profesor Torres en su comunicación técnica titulada “Elusión y Planeamiento Tributario: La teoría de la causa del negocio jurídico como límite al control fiscal”, trabajo que se podría decir es la antesala o introducción a su magnífica obra titulada “Derecho Tributario y Derecho Privado. Autonomía privada, simulación y elusión tributaria”, en donde, con una lógica propia del Maestro, nos resalta el importante papel que le corresponde a la causa de los negocios jurídicos en el análisis de la elusión fiscal, recordándonos a su paso, que la ley tributaria opera sobre la realidad del negocio jurídico, y en consecuencia, el deber esencial que debe primar por respetar los principios que rigen a los referidos negocios, al momento de atribuirle consecuencias tributarias.
El tema, como he dicho, no era menor. No lo era entonces y tampoco lo es ahora.
Sin duda alguna, el debate más intenso que suscita el tema de la elusión tributaria, se sitúa en el plano de las medidas para combatirla, y en particular, en la admisión o no de las normas generales antielusivas como herramientas jurídicamente procedentes al interior de nuestro ordenamiento.
Al margen del rechazo que debe suscitar el método de interpretación económica y la analogía, por resultar radicalmente contrarias a las exigencias de tipicidad y seguridad jurídica, la gran cuestión es cómo lograr un adecuado y justo equilibrio entre las legítimas aspiraciones del Estado, de perseguir los actos ilícitamente elusivos, con la necesidad de respetar las exigencias de certeza y reserva legal a que nos exhorta nuestro ordenamiento constitucional.
Estamos por cierto ante una cuestión cuya reflexión y análisis se hace primordial al interior del ordenamiento jurídico, y en particular, al interior del ordenamiento tributario, ordenamiento este último que no debe ser entendido o aplicado con prescindencia de los principios generales orientadores de nuestro derecho, si no que acorde y en sintonía con ellos.
Finalizando, debo reconocer, que hasta antes de la incorporación de la Cláusula General Antielusión a nuestro Código Tributario, yo era de aquellos, que -tal vez con un espíritu preconcebido- compartía la tesis del catedrático español, Sr. José Juan Ferreiro, quien considera que “las cláusulas antielusorias no contribuyen al interés general. Al interés general –según señala él- contribuye la seguridad, la certeza, la claridad del sistema tributario que presta seguridad e impulsa la actividad económica del país. Las cláusulas antielusorias sólo sirven a la inseguridad y a agrandar el círculo de decisiones libres de jueces y funcionarios sobre quién debe y quién no debe pagar un tributo, haciendo caso omiso de que nuestra Constitución reserva tal decisión a la ley y sólo a la ley.”
Sin embargo, y luego de la incorporación de esta cláusula general en la última reforma tributaria, en donde (i) nos encontramos con una norma con contrariedades, incongruencias e inconsistencias que dificultan la interpretación de la misma, con serias deficiencias técnicas y conceptuales que hacen difícil anticipar cómo ella va a poder ser aplicada sin transgredir el principio de reserva legal; (ii) en donde, luego de un análisis exegético de las misma no es posible tener certeza jurídica respecto de la forma en que ella va a ser aplicada por los tribunales; (iii) en donde, en palabras del profesor y querido amigo Sr. Francisco Selamé, “se trata de una norma escrita con dos plumas, con dos plumas totalmente distintas, en donde una pluma escribió un párrafo y la otra pluma escribió otro párrafo; donde no intervinieron dos legisladores que pensaban distinto y que intentaron ponerse de acuerdo en un texto común, si no donde cada uno puso lo que pensaba que debía ponerse en ese texto sin consideración alguna respecto de lo que estaba escribiendo el otro”, ….. mi conclusión es, sin duda alguna, que no puede menos que solidarizarse definitiva y absolutamente con la misma reflexión hecha por el profesor Ferreiro.
En este resistido y tensionado escenario jurídico, quiero dar la bienvenida al doctor Torres, esperanzado en que a través de sus comentarios, pueda una vez más, darnos luces y claridades sobre esta nueva normativa que se ha incorporado a nuestro Derecho.
Profesor … sea usted bienvenido.
Ricardo Walker M.
O Professor Heleno Torres foi homenageado no XIV Congresso de Direito Tributário em Questão - Edição 2015
O XIV Congresso de Direito Tributário em Questão – Edição 2015 aconteceu nos dias 25 a 28 de junho de 2015, em Gramado, RS.
Dando início ao Congresso, o Prof. Heleno Torres foi homenageado pelos organizadores, e em seguida ministrou uma palestra com o tema “Constituição Tributária e Constituição Financeira – garantias do Contribuinte na sustentabilidade fiscal do Estado Democrático de Direito”.
O Professor Heleno Torres abordou os desafios do federalismo fiscal em Congresso no Rio Grande do Sul, em Bento Gonçalves
No dia 3 de junho de 2015, o Professor Heleno Torres participou do 10º Congresso Nacional e 5º Internacional Febrafite, no qual abordou sobre os desafios do federalismo fiscal. O tema do congresso foi “Reforma do Estado – Justiça Social e Fiscal”.
O Professor Heleno Torres foi convidado a participar de reuniões técnicas em Comissão Especial na Câmara dos Deputados para subsidiar o trabalho de elaboração de Parecer ao Projeto de Lei nº 2.412, de 2007
Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 2.412, de 2007, do Sr. Regis de Oliveira, que “dispõe sobre a execução administrativa da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de suas respectivas autarquias e fundações públicas, e dá outras providências” (define critérios para o processamento administrativo das execuções fiscais – altera a Lei nº 8.397, de 1992 e revoga a Lei nº 6.830, de 1980) e apensados ( PL241207 )
Apresentação do Requerimento n. 5/2015, pelo Deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que: “Solicita a realização de reuniões técnicas para subsidiar o trabalho de elaboração do Parecer do Relator, com os especialistas: Heleno Tavares Torres, professor titular de Direito Financeiro da USP; Freddie Didier Jr., professor docente da USP e da Universidade Federal da Bahia; Fernando Marcelo Mendes, Vice-Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE; Luiz Henrique Volpe Camargo, professor de Direito Processual Civil da Universidade Católica Dom Bosco; representante da Advocacia-Geral da União, especialista em dívida ativa; e Gustavo Amaral, advogado da Confederação Nacional da Indústria”.
A Comissão Especial é destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 2.412, de 2007, do Sr. Regis de Oliveira, que “dispõe sobre a execução administrativa da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de suas respectivas autarquias e fundações públicas, e dá outras providências”, e define critérios para o processamento administrativo das execuções fiscais – altera a Lei nº 8.397, de 1992 e revoga a Lei nº 6.830, de 1980 e apensados (PL241207). O Requerimento n. 5/2015 foi feito pelo Deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que: “Solicita a realização de reuniões técnicas para subsidiar o trabalho de elaboração do Parecer do Relator, com os especialistas: Heleno Tavares Torres, professor titular de Direito Financeiro da USP; Freddie Didier Jr., professor docente da USP e da Universidade Federal da Bahia; Fernando Marcelo Mendes, Vice-Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE; Luiz Henrique Volpe Camargo, professor de Direito Processual Civil da Universidade Católica Dom Bosco; representante da Advocacia-Geral da União, especialista em dívida ativa; e Gustavo Amaral, advogado da Confederação Nacional da Indústria”.
A Magna Charta completa 800 anos e influencia nossa Constituição Tributária
No dia 15 de junho serão comemorados os 800 anos da famosa Magna Charta Libertatum, do “João sem Terra” (Rei John.1199-1216), com júbilos e evidente orgulho pelo povo e governo britânicos. Foi negociada e assinada entre os dias 1º e 10 de junho de 1215, quando os barões estavam na posse de Londres. Nesta data histórica não podemos, pois, deixar de nos associar a esta meritória celebração, por tudo o que ela significou para os avanços das civilizações na construção da cidadania e do Estado de Direito em matéria tributária.
Este documento singular, sabe-se, de há muito tornou-se o motivo pelo qual todos os povos vivem em liberdade nos dias atuais, quando cada homem e cada mulher submete-se unicamente à legalidade e à Constituição, sob a égide dos valores da igualdade e da liberdade, o que foi de capital relevo para a matéria tributária. Não bem porque ela tenha prosperado em vigor, até porque foi anulada em 24 de agosto de 1215 por uma bula papal do Papa Inocente III, o que motivou o apoio dos barões para que a França invadisse a Inglaterra, em 22 de maio de 1216. Mas por tudo o que ela significou para indicar um novo modelo de governo e submissão do poder às deliberações de representantes do povo. E justamente para assegurar a governabilidade da Inglaterra, ela foi revigorada em novembro de 1216 e revisada por três vezes, pelos Reis William Marshal e Henrique III.
Para bem entender a importância da Magna Charta, basta verificar o texto da “Clause 39” onde consta: “no free man shall be imprisoned or deprived of his lands except by judgement of his peers or by the law of the land”.
Nossa Constituição prescreve, no seu artigo 5º, LIV, quase que numa tradução direta, que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal. Ou no inciso XXXIX, para os fins punitivos: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. A “lei da terra”, aprovada pelos representantes do povo (ainda que estes fossem os barões da época), seria a condição tanto para decretar a prisão quanto para privar alguém dos seus bens, que deveriam atender ao “direito” ou o “devido processo legal”.
Nos dias que correm, a legalidade em matéria tributária parece ser um “lugar comum”, mas essa autorização legislativa para atividade financeira floresceu na Inglaterra do século XIII, pelo compromisso da Magna Charta Libertatum, que foi uma das primeiras fontes a evidenciar prevalência da liberdade nos limites da legalidade,[1] com submissão do governante aos direitos dos que viviam sob seu domínio, segundo um due process of Law (of the Land), e, no caso dos tributos, com exigência de prévio consentimento para a cobrança de impostos, segundo razões justificadas e razoáveis, inclusive como limites para as despesas.
Este propósito limitador foi renovado no Petition of Rights, de 1628, ao ser postulado pelos súditos que nenhum tributo fosse cobrado sem consentimento comum do Parlamento. E a reação mais evidente às ações de frequentes descumprimentos das leis ou do consentimento parlamentar veio justamente com o Bill of Rights, de 1689. Neste, os “Lords” e os membros da Câmara dos Comuns declararam ser “ilegal a faculdade que se atribui à autoridade real para suspender as leis ou seu cumprimento;” bem como que seria “ilegal toda cobrança de impostos para a Coroa sem o concurso do Parlamento, sob pretexto de prerrogativa, ou em época e modo diferentes dos designados por ele próprio”.
De igual modo, a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, de 1789, acompanhou o disposto na Magna Charta Libertatum, cujo artigo 6.º prescreve a lei como a expressão da vontade geral e, no artigo 15, prescreve que a sociedade tem o direito de pedir contas a todo o agente público pela sua administração.[2]
Marcada esta origem, a construção de um pensamento sistemático do direito tributário somente foi possível graças ao surgimento do Estado de Direito, sob a legalidade como proteção dos direitos fundamentais.[3] Daí afirmar Albert Hensel: “Il diritto d’imposta è un diritto di prelevamento disciplinato in base ai principi dello Stato di Diritto”.[4] As exigências de compromisso contidas na Magna Charta Libertatum já eram reveladoras dessa preocupação, ao declarar a necessidade de Law of the Land e do consentimento geral para a cobrança de impostos, os quais somente poderiam ser criados por razões justificadas (o bem comum), e desde que razoáveis no valor e condições empregadas para a arrecadação.[5]
Para bem entender o significado da Magna Charta Libertatum, no âmbito do direito inglês, vigia a plena separação das ordens normativas (direito comum, direito das gentes e direito positivo) e que se dinstinguiam segundo as fontes de produção. Prevalecia a dispersão das fontes do direito, as quais concorriam entre si, como igreja, príncipes, cidades-estado, corporações. Como sabido, no Estado medieval o poder não se encontrava concentrado, mas disperso entre senhores feudais, príncipes e clero.[6]
O direito positivo era o conjunto de regras legitimadas pela vontade de certo detentor do poder, e que, por isso mesmo, não se viam submetidos às ordens que expediam. Daí a superna novidade da Magna Charta Libertatum, de 1215.
Contudo, mesmo no caso desse “direito positivo”, não havia algo que se pudesse denominar como “ordenamento jurídico”. Os estatutos, decretos, ordenações, tratados eram tipos normativos, mas não se apresentavam segundo uma forma organizada. A unidade do “direito” era assegurada pela jurisprudência e pela doutrina (veritas non autorictas facit legem), na tradição romanista, ainda que sob acentuada dispersão, típica do feudalismo, “gerando uma intensa necessidade de ordem e de autoridade, o que serviria de origem do Estado Moderno”.[7]
Nesta etapa, a validade de uma regra ou decisão jurídica não era proveniente da sua relação com dada ordem ou fonte formal, mas pela sua intrínseca relação com a “justiça” do caso concreto ou a racionalidade da doutrina, no direito comum ou direito das gentes. Daí prevalecer o brocardoveritas non auctoritas facit legem. Este era o direito que regia as relações entre as pessoas, geralmente baseado no direito romano (direito comum) ou fruto da tradição, como fora o direito das gentes. A terminologia jus positumindicava a diferenciação do jus naturale, ou seja aquilo que não seria “posto”, por se tratar de um conjunto de direitos dados a priori.
Não se pode supor, registre-se desde logo, que a Magna Charta tenha significado a plena e tranquila dominação do poder do príncipe, com submissão integral à legalidade, nos tempos sucessivos e mesmo em outros povos.
Sobre a atuação dos juízes, por volta de 1501, como anota Otto Mayer,[8] os tribunais existentes, bem como o direito administrativo nascente, estavam todos jungidos à vontade e poder dos príncipes, diretamente ou por forte influência política, precipuamente no que concerne à aplicação do direito positivo. A soberania do príncipe, cujas ordens tinham força de lei, justificava tal ingerência sobre a decisão dos juízes; desse modo, uma vez expedidas, estas passavam a ser vinculantes para qualquer sentença judicial, que se prestavam, em maior medida, a zelar pela manutenção das prerrogativas dos príncipes, ainda que a pretexto de estabelecer seus limites. Estes tribunais também aplicavam o direito comum, ou aquilo que restara da secularização do direito romano, adotado para reger as relações individuais. É bem verdade que os direitos individuais, chamados de “direitos adquiridos”, derivados do direito comum, impunham-se até mesmo contra as prerrogativas dos príncipes, o que, de certo modo, servia para limitar o poder destes, mas sempre sob o clivo seletivo dos tribunais.
É certo que a Magna Charta Libertatum mantinha influências vivas. O inglês Thomas Hobbes (1588-1679), no seu Leviatã (1651), precisamente no capítulo XXVI, ao tratar “das leis civis” (direito positivo), afirmou que a lei civil seria aquela à qual todo homem se obrigaria a respeitar simplesmente por ser membro de uma República.[9] E assim, partindo desse critério, declarou: “A lei civil é para todo súdito constituída por aquelas regras que a república lhe impõe, oralmente ou por escrito, ou por outro sinal suficiente da sua vontade, para usar como critério de distinção entre o bem e o mal, isto é, do que é contrário à regra”.[10] Apesar de não estar declarada a influência da Magna Charta, quanto ao Estado, dizia Hobbes que o maior dos poderes humanos é aquele composto pelos poderes da maioria dos homens, unidos por consentimento em uma só pessoa, natural ou civil, que tem o uso de todos os poderes deles na dependência da sua vontade; como é o caso dos poderes de uma República.[11] Segundo Hobbes, na República, o guardião da segurança é o legislador, o soberano, portanto, seja este um homem (monarquia) ou uma assembleia, e legislador é aquele que tem poderes para fazer a lei e este será sempre o “soberano”. Só o soberano pode revogar suas próprias leis e, como a lei decorre da sua vontade, este não se encontra submetido às leis civis que edita.[12]
Estas elaborações foram decisivas para formar as bases do Estado moderno. Contudo, como bem observou Schmitt, a ideia do Estado em Hobbes, ideia importante e que se antecipou ao seu tempo, não se realizou na Inglaterra, mas foi bem recebida no continente europeu, como na França e na Prússia. O povo inglês optou, àquele tempo, por não aderir a esse modelo.[13]
Mais tarde, Rousseau, em 1762, publica os seus princípios de direito político (Contrato Social), com grande influência sobre os revolucionários, inclusive na própria elaboração da Constituição francesa. À semelhança de Cícero ou Hobbes, buscou a segurança na ordem social, que não adviria da natureza, mas de convenções. Esse novo passo coincidia com sua percepção do mundo em relação ao homem, pois “o homem nasceu livre, e não obstante, está acorrentado em toda parte”.[14] Pelas mãos de Rousseau veio introduzida a noção de “soberania popular”, identificada com o papel do Parlamento, em contraposição ao “governo”, que se ocuparia de executar e cumprir as leis aprovadas pelo legislador soberano. Kant, a seguir, manterá o mesmo sentido atribuído ao legislador em Rousseau, de detentor da soberania popular, como forma de garantia da segurança.
Com a Revolução Francesa surge o Estado de Direito racional, posto a serviço do interesse comum dos indivíduos, como Estado de homens livres, formalmente iguais, e cujo ordenamento vê-se autodeterminado pela lei, elaborada sob a égide da “soberania popular”. Para tanto, a separação dos poderes, como idealizada por Montesquieu, ao instituir a distinções das funções[15] legislativas, administrativas e judiciais, assume notável preponderância e a segurança jurídica, pela primeira vez, passa a ter posição preeminente, com a vitória da legalidade como certeza e liberdade.[16] Como percebe agudamente Carl Schmitt, este foi um triunfo decisivo da sociedade e dos representantes do povo, o fato de o direito aparecer intrinsecamente sob a forma de “lei”, e progressivamente assumir, na forma de direito positivo.[17]
Voltando ao Direito inglês, como alude Albert Venn Dicey, no seu fundamental An introduction to the study of the Law of the Constitution, de 1885,[18] o Parlamento inglês sempre atuou sob o princípio do “Parliamentary Sovereignty”, em continuidade da tradição fundada com a Magna Charta Libertatum.[19] Nas palavras de Dicey: “This supremacy of the law, or the security given under the English constitution to the rights of individuals looked at from various points of view”.[20] Por conseguinte, os poderes do Rule of Law inglês seguem a vontade geral que não se submete aos poderes de qualquer príncipe ou à burocracia do Estado-Administração. Tampouco é fruto de uma assembleia constituinte, expressão contratualista da soberania popular.
Em conclusão, o exame da evolução das influências da Magna Charta Libertatum sobre a formação do Estado e da sua Constituição é crucial para compreender as diversas razões das mudanças verificadas em matéria tributária ao longo dos tempos.[21] Atualmente, o “poder de tributar”, noEstado Democrático de Direito, efetiva-se nos limites da liberdade, da democracia e da dignidade da pessoa humana. Contudo, não se pode deixar de reconhecer que este avanço alcançado tem origem na Magna Charta Libertatum, de 10 de junho de 1215, mormente pela consagração dos princípios de legalidade e do devido processo legal.
Fica aqui nossa homenagem ao povo inglês e sua fundamental contribuição para a formação do constitucionalismo.
E, ao mesmo tempo, cumprimentamos a OAB-SP, na pessoa do Presidente Marcos da Costa, ao realizar o grandioso evento internacional, coordenado pelo Professor João Bosco Coelho Pasin, no próximo dia 15 de junho, para celebrar a efeméride: “MAGNA CHARTA: 800 ANOS”, com agradecimentos pelo honroso convite para realizar sua conferência de encerramento sobre “Legalidade em matéria tributária: 800 anos”. Nesta, deveremos aprofundar sua influência sobre a construção dos princípios constitucionais das competências impositivas e limitações ao poder de tributar, em continuidade às reflexões aqui brevemente antecipadas.
[1] “No scutage or aid may be levied in our kingdom without its general consent, unless it is for the ransom of our person, to make our eldest son a knight, and (once) to marry our eldest daughter. For these purposes only a reasonable aid may be levied. Aids from the city of London are to be treated similarly.” Magna Carta Libertatum (1215), Article 12 “Taxes”. Ver art. 55 (Law of the Land).
[2]. Sobre os desdobramentos desses documentos, vejase: DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Direito constitucional tributário e “due process of law”: ensaio sobre o controle judicial da razoabilidade das leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. 215 p.
[3]. Nawiasky, Hans. Cuestiones fundamentales de derecho tributario. Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 1982. p. 7.
[4]. Hensel, Albert. Diritto tributario. Trad. Dino Jarach. Milano: Giuffrè, 1956. p. 5.
[5]. Como bem observou Victor Uckmar, citando fontes históricas muito precisas, os primórdios do princípio da exigência do consentimento dos súditos para exigência de tributos não tem origem na Magna Charta, mas remontam a 1091, quando Alfonso I, rei de Castela, afirmou: “Hoc autem feci cum consensu vestrae voluntatis, sicut vobis bene complacuit, ut reddatis mihi de unaquaque corte populata tam de infantones quam etiam de villanos duos solidos in isto anno una vice, et amplius non demandent eos vobis altera vice, et qui mihi eos contendere quesierit aprendant de eos suos pignores, et hoc interpono, ut quamquam ilia lite de illos Almurabites sit ut nemo vestrum veniat mihi petere ipsum debitum, quia certe non dimittam ei”. Pouco depois, em 1179, o Lateran Council vetava os bispos de tributarem seu clero, aplicando o critério do without their consent. Em 1188 foi instituído um tributo para atender às despesas da cruzada contra Saladino (The Saladin Tithe), no montante de 10% da renda dos leigos e do clero. A decisão da instituição deste tributo foi tomada em reuniões do rei Henrique II com o clero, barões, condes, cidadãos de posses e burgueses, que consentiram com o pagamento. Em seguida, durante o reinado de “João sem Terra”, os barões reclamaram das elevadas obrigações que tinham para suportar em favor da Coroa e, após longos debates, aprovaram, em 15 de junho de 1215, em Runnymede, a Magna Charta. Ver: Uckmar, Victor. Pincipi comuni di diritto costituzionale tributario. Padova: Cedam, 1999. p. 9-62; v. ainda: Falcón y Tella, Ramón. Un principio fundamental del derecho tributario: la reserva de ley. Civitas Revista Española de Derecho Financiero, n. 104, p. 707-21, Madrid: Civitas, oct.-dic. 1999.
[6]. Vilanova, Lourival. O problema do objeto da teoria geral do Estado. Tese para a cátedra de Teoria Geral do Estado. Recife: UFPE, 1953. p. 37.
[7]. Dallari, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 70. Cf. Souza Júnior, Cezar Saldanha. Consenso e tipos de Estado no Ocidente. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2002. p. 19 e ss.; Grossi, Paolo. El orden jurídico medieval. Madrid: Marcial Pons, 1996.
[8]. Mayer, Otto. Derecho administrativo alemán. Buenos Aires: Depalma, 1949, Tomo I, p., p. 32.
[9]. Hobbes, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de uma República eclesiástica e civil. Trad. João Paulo Monteiro. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 225. Idem. Diálogo entre um filósofo e um jurista. Cupertino, Maria Cristina Guimarães (Trad.). São Paulo: Landy, 2001. Villanova, Marcelo Gross. Lei natural e lei civil na filosofia política de Thomas Hobbes. Goiânia: Tendenz, 2007.
[10]. Hobbes, Thomas. Leviatã ou matéria… cit., p. 226.
[11]. Veja-se o cap. X: Do poder e merecimento. Hobbes, Thomas. Leviatã ou matéria… cit., p. 76.
[12]. Hobbes, Thomas. Leviatã ou matéria… cit., p. 225-226.
[13]. Schmitt, Carl. El Leviathan en la teoría del Estado de Tomas Hobbes. Trad. Francisco Javier. Granada: Comares, 2004. p. 71.
[14]. Rousseau, Jean-Jacques. O contrato social: princípios de direito político. 19. ed. Trad. Antônio de P. Machado. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999. p. 25-26.
[15]. Sobre as teorias relativas às funções do Estado, veja-se: Eisenmann, Charles. Écrits de théorie du droit, de droit constitutionnel et d’idées politiques. Paris: Universitè Pantheón – Assas, 2002. p. 184 e ss.
[16]. A síntese de José Afonso da Silva é oportuna sobre a presente matéria. Cf. Silva, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo cit., p. 112-113.
[17]. Schmitt, Carl. Legalidad y legitimidad cit., p. 15.
[18]. Dicey, Albert Venn. An introduction to the study of the law of the Constitution. London: MacMillan, 1965; traduzido para o italiano: Dicey, Albert Venn. Introduzione allo studio del diritto costituzionale. Le basi del costituzionalismo inglese. Bologna: Il Mulino, 2003; cf ainda: Dicey, Albert Venn. Lecciones sobre la relación entre derecho y opinión publica en Inglaterra durante el siglo XIX. Granada: Comares, 2007.
[19]. Nas suas palavras: “The right to make or unmake any law whatever; and, further, that no person or body is recognized by the law of England as having a right to override or set aside the legislation of Parliament” (DICEY, Albert Venn. An introduction… cit., p. 40-41).
[20]. Grifamos. Dicey, A. V. An introduction… cit., p. 184 e 187;
[21]. Cf. Birk, Dieter. Diritto tributário tedesco. Trad. Enrico de Mita. Milano: Giuffrè, 2006, p. 3.